Fazer luto pela pessoa com quem partilhámos a vida é um processo extraordinariamente doloroso e difícil. O sofrimento da perda é normal e vai ocorrendo em diversas fases. É delas que aqui falamos.
“Até que a morte nos separe” é a fórmula pronunciada no casamento católico, mas também o pacto secreto que fazemos com o outro numa relação que pretendemos com futuro. É com ele que nos habituamos a contar para nos ajudar a superar os maus momentos, a partilhar os bons, no fundo a partilhar tudo o que constituiu uma vida. A sua morte é um enorme choque.
Com esta morte, acontecem também inúmeras perdas. Alguém perdeu a mãe ou o pai, a irmã ou o irmão, a filha ou o filho e assim por diante, coisa que promove uma instabilidade em toda a família, envolvendo diferentes aspectos, entre eles a difícil tarefa de incluir novos papéis familiares. Assim, o cônjuge que sobrevive tem pela frente uma dupla tarefa, que é de superar a perda, fazendo o luto, e reconciliar-se na vida familiar.
O luto é um processo complexo de “deixar ir” e não simplesmente uma emoção. Se a relação durava há muitos anos, implica mesmo uma redefinição de quem somos sem o outro. E esta não é uma tarefa fácil!
Fases do luto. O sofrimento da perda é normal e vai ocorrendo em diversas fases. Começa por uma reacção inicial de choque e “entorpecimento” emocional em que nos faltam as forças e não queremos nem podemos ver ninguém — ou, pelo contrário, em que nos envolvemos num frenesim organizativo para preencher o tempo e impedir de pensar. Não há filhos, não há emprego, não há família que nos preocupe, apenas um fortíssimo e profundo desgosto. Nestes momentos, os amigos, a família e mesmo os grupos de apoio são fundamentais para não cair no limbo.
A seguir vem a saudade, aquela sensação terrível que magoa e parece não ter fim. A tentativa de reencontrarmos o ser amado leva a rever locais que partilhados, a conversar com amigos comuns, sempre na tentativa de avivar sensações. Trata-se de um comportamento por vezes levado à exaustão e que deixa amigos e família preocupados. Começa, nesta fase, a haver dificuldade em encontrar forças para lidar com a própria dor. À medida que a morte se torna mais aceite, seguem-se momentos de desespero, de desorganização, de afastamento. É a fase que mais preocupa os que estão próximos, uma vez nem o consolo parece ajudar a recuperar. Contudo, este é um tempo necessário ao luto: estar só, integrar a forma socialmente aceite de luto, sentir que podemos rir de boas recordações são pequenos passos que precisam de ser dados a sós.
Finalmente, dá-se um processo de reorganização, que emerge gradualmente, permitindo um regresso pleno às actividades familiares, sociais e profissionais. A vida começa a ter outro sentido, o ser amado encontrou o seu espaço na nossa vida e os rituais de perpetuação da sua memória foram finalmente organizados.
Viver a tristeza. Infelizmente, hoje em dia muitos de nós temos dificuldade em tolerar a tristeza, assumindo que deve ser um sentimento intenso mas de rápida resolução, coisa que permite um retorno imediato à vida normal. Trata-se, no entanto, de um percurso enganador e prejudicial, uma vez que é uma etapa que necessita de tempo para decorrer saudavelmente. Especialistas na matéria apontam mesmo para um período entre um a quatro anos para realizar o luto.
Geralmente, o luto só se torna problemático quando se prolonga com as mesmas características e tonalidade emocional por muito tempo, quando é acompanhado por manifestações de hostilidade aberta em relação a algumas pessoas, quando a recusa de contactos sociais e laborais se prolonga, quando, em situações quase limite, existe recusa em aceitar a morte.
Poucos acontecimentos nas nossas vidas mexem tanto connosco como a morte do nosso marido ou mulher. Geralmente não nos limitamos a perder o nosso marido ou a nossa mulher, mas o nosso melhor amigo. É normal sentirmos que perdemos uma parte de nós, uma relação amorosa intensa.
Recomeçar. A idade da viuvez pode ser importante para a forma de encarar a hipótese de uma nova relação. Se para os mais novos parece ser mais fácil optar por um novo companheiro, para os mais velhos não é tão claro que tal seja necessário ou mesmo adequado.
No que diz respeito aos homens idosos, as estatísticas mostram que voltam a casar mais vezes do que as mulheres da mesma faixa etária e, geralmente, com mulheres mais novas. A mulher mantém o seu estado de viuvez até à morte mais frequentemente do que o homem.
Quando se trata de jovens adultos,reiniciar uma relação é mais complicado. Encontrar um novo companheiro sem sentir que está a trair a memória do falecido, ou mesmo os familiares do seu lado que, ao contrário do que se passa no divórcio, mantêm uma relação próxima como sobrevivente, nem sempre é fácil.
Ser capaz de suportar a solidão sem “saltar” de imediato para uma relação como forma de evitar o sofrimento de fazer o luto não é uma boa ideia. Aquele que escolhermos para partilhar a nossa vida deve merecer uma relação completa, em que a memória do outro, ainda que presente, não seja um obstáculo para o pleno desenvolvimento do relacionamento. Neste caso isso passa, por exemplo, por darmos tempo para decidir o que queremos fazer com objectos que foram da relação anterior. Pode parecer uma preocupação prosaica, mas é uma questão que habitualmente se coloca: “desmanchar ou não a mobília de quarto, pintar ou não as paredes, renovar ou não a casa?” Para podermos tomar essas decisões de forma consequente, precisamos de nos dar tempo.
Algumas ideias para ajudar a recuperar a morte do conjuge
Estimar as memórias Inicialmente às memórias estará mais associado o sofrimento, mas, com o tempo, a recordação do que se passou de bom fará soltar uma boa gargalhada.
Não sofrer sózinho Procurar encontrar uma rede de apoio, seja os amigos, a igreja, os grupos de apoio.
Falar dos sentimentos Os outros estão disponíveis para ouvir e falar com eles ajuda a “arrumar”o nosso mundo interior
Sentir Raiva Nem só a tristeza está envolvida no processo de luto. A raiva, a zanga com o outro que faleceu são também normais e precisam de ser sentidas.
Procurar aliados A tristeza é única e nunca ninguém conseguirá compreender a perda, mas os amigos, familiares e outros elementos da comunidade serão bons aliados para “manter o contacto”.
Permitir-se “estar triste” É uma situação particularmente difícil quando há filhos envolvidos, mas também eles precisam de olhar para si e sentirem-se acompanhados na tristeza.