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Amizade entre homens e mulheres: é possível?

A crença antiga e ainda muito vulgar de que a amizade entre homens e mulheres não é possível provém do tempo em que os nossos antepassados tinham tarefas perfeitamente divididas: a mulher em casa e o homem no trabalho. A única maneira de poderem estar juntos era quando queriam iniciar um romance.

Atualmente, no entanto, homem e mulher trabalham e praticam desporto juntos e estão envolvidos desde cedo num processo de socialização que deixa espaço para desenvolver com sucesso uma amizade próxima e com cada vez mais boas razões para o fazer.

O que é a amizade? Comecemos por definir o que é amizade. Trata-se de um sentimento complexo que aparece sem aviso ou premeditação. Não conhece critérios de idade, de condição social ou de origem e é um misto de confiança, abandono, sensibilidade e amor desinteressado. A questão está em saber se esta genuinidade resiste numa relação entre um homem e uma mulher. Se um conjunto de pessoas responderia sem hesitar que não, outro diria ser perfeitamente possível. A maioria, porém, iria hesitar antes de responder num ou noutro sentido.

A verdade é que a sexualidade prejudica a amizade entre homens e mulheres. Quantas vezes um homem se contenta em manter-se apenas amigo quando o que deseja é ser amante?

De facto, é muito difícil lidar com uma proposta para mantermos apenas a amizade, até porque isso desencadeia sentimentos opostos. Tantos os homens como as mulheres podem sentir rejeição num primeiro momento, mas logo a seguir felicidade, justamente por compreenderem as vantagens de uma relação que não passa necessariamente pela cama. Quando tal acontece, já nada é como dantes. Curiosamente o inverso pode acontecer, ou seja, uma relação de amantes pode tornar-se numa relação de amigos.

Lidar com o desejo. O tema desejo é quase inevitável nas relações de amizade entre homens e mulheres. A questão é saber se queremos estragar ou modificar uma relação que até aí funcionou bem. Nesses momentos de particular tensão em que o desejo ganha força, a proximidade e o toque físico devem ser evitados, para que a distância permita tomar uma decisão sem comprometer a posição do outro. Como bons amigos, tal será compreendido como uma necessidade íntima a respeitar e não como um afastamento precipitado.

O contexto que uma amizade cria, e a forma pode ser partilhada no que respeita aos nossos amigos, filhos, pais e trabalho, não afasta nem permite negar a existência desta tensão sexual, mas ajuda a delimitar a intimidade de cada um. Acontece que estas amizades, tal como as que se desenvolvem entre pessoas do mesmo sexo, baseia-se na possibilidade de falar, ouvir, servir de suporte ao outro, de ser companheiro, de partilhar algo mais profundo do que uma relação sexual que provavelmente não teria futuro.

Que vantagens? Quando um homem e uma mulher mantêm urna relação de amizade, com frequência nos perguntamos que benefícios existem nessa relação. Será a sua função constituir um pilar afectivo baseado numa relação democrática e igualitária numa sociedade sem respostas nem certezas?

Na vida amorosa os sentimentos explodem como fogo de artifício, enquanto que na amizade são canalizados com paciência, limites e compreensão. Mas esta amizade exige renúncia e, por isso, precisa de acontecer entre dois seres emocionalmente maduros. Ao invés das amizades entre pessoas do mesmo sexo, esta beneficia de uma dualidade muito enriquecedora que se traduz em perspectivas diferentes, por vezes novas mas sempre complementares, que o outro tem sobre determinados assuntos.

Cumplicidade, estímulo intelectual e serenidade são razões que convidam a estabelecer uma relação de amizade com uma pessoa do sexo oposto. Mas por vezes essas razões podem dissimular perturbações de identidade ou revelar dificuldades de identificação em relação aos outros, uma vez que se trata de uma relação menos exigente do que o amor e que responde, na nossa época, ao medo de envolvimento.

Quase casais. “Ficar apenas amigos” significa menos compromissos. E estes “quase casais” são cada vez mais numerosos. Algumas ideias feministas sobre a independência das mulheres e certas tendências masculinas que privilegiam uma via individualista encorajam o seu aparecimento. Uma vez encontrado o amor desinteressado, não o devemos deixar partir. A amizade entre homens e mulheres segue o mesmo caminho da amizade entre pessoas do mesmo sexo, mas deve resistir aos caminhos da sedução e deslocar-se no sentido da conivência, confiança e suporte para poder sobreviver. Não pode ser um modelo universal a seguir, pois alimenta- se da particularidade de cada relação e responde a necessidades mais ou menos confessáveis.

Nasça antes ou depois de uma relação marcada pela sexualidade, antes ou depois de uma relação de casal, a amizade entre homens e mulheres é importante e preciosa num mundo pouco amigável e pobre em laços humanos.

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SEDUÇÃO

Don Juan e Casanova são exemplos clássicos de sedutores inquietantes, bem falantes e mal pensantes que precipitam as senhoras no mau caminho. Hoje, no mundo das SMS, da Internet e de outras tecnologias, existirá ainda lugar para sedutores?

Terá o sedutor desaparecido da nossa sociedade tendencial e sexualmente igualitária? Não me parece. Aliás, a curta duração de muitas relações, que morrem nas suas fases mais iniciais, comprovam o domínio do reino da sedução.

Em 1995, o filme Don Juan De Marco, de Jeremy Leven, interpretado por dois grandes sedutores do cinema, Marlon Brando e Johnny Deep, veio reanimar o personagem literário de Don Juan, tido como símbolo de sedução e libertinagem. Este personagem, cuja existência real ainda hoje é discutida, mas largamente representada nas mais variadas formas de arte, procura representar um padrão de personalidade narcísica, sem escrúpulos, amada e odiada e que não olha a meios para conquistar uma mulher.

Curiosamente, este protótipo não é descrito para o sexo feminino – tido sempre como vítima do sedutor -, ainda que muitas mulheres sejam mestras na arte de seduzir.

Atualmente a referência ao Don Juanismo serve para caracterizar uma situação que muitas vezes se torna patológica para o sedutor e para aqueles com quem ele se relaciona. Trata-se de uma forma de estar caracterizada por uma forte compulsão para a sedução de alguém que procura enamorar-se da pessoa mais difícil de conquistar para a abandonar em seguida.

São pessoas que não conseguem manter uma relação por muito tempo, partindo logo em busca de novas conquistas.

Para o Don Juan apenas interessa o instante do prazer e o triunfo sobre a sua conquista, principalmente quando o alvo do seu interesse tem uma situação relacional e civil proibida. É o aspecto do desafio que o mobiliza, fazendo com que a conquista amorosa tenha contornos de desporto e competição. O narcisismo destas pessoas é um aspecto que melhor as caracteriza, ao ponto de se amarem muito mais a si mesmas que a qualquer outra pessoa.

Estes Don Juan não são obrigatoriamente mais viris ou sexualmente ativos. A sedução contínua nem sempre se dá à custa de um eventual desempenho sexual excecional, mas devido à habilidade em oferecer sempre às mulheres aquilo que elas mais desejam. São, por isso, o protótipo do príncipe encantado, tão valorizado pelo sexo feminino desde a mais tenra infância, e têm a capacidade de perceber rapidamente os gostos e fraquezas das suas vítimas, sendo muito rápidos em satisfazer as mais diversas expectativas. Não é de estranhar, por isso, que as mulheres que se envolvem em ligações deste tipo saem muito magoadas e com uma profunda sensação de raiva e abandono.

Para além da faceta negativa da capacidade de seduzir, geralmente instalada em personalidades imaturas, o uso da sedução no dia-a-dia deveria ser uma arte a desenvolver e a aplicar com frequência, qualquer que seja a nossa condição. Muitos casais beneficiariam desta arte se a praticassem mais e melhor, quebrando assim rotinas maçadoras e espevitando relações mornas.

O dia de São Valentim tornou-se na festa instituída para pôr em prática a capacidade de agradar ao outro, de lhe mostrar que nos importa a sua presença. É o amor com dia e hora marcada. Mas porque hoje nos casamos ou nos unimos a alguém por amor, sentimento muito pouco racional, feito de ternura e sexo, a sedução está cada vez mais que nunca na ordem do dia.

O objectivo da sedução é obter a atenção da pessoa por todos os meios possíveis, para conseguir o controlo emocional e criar uma fonte de prazer. As etapas e rituais de sedução são universais, com poucas nuances, geralmente de natureza cultural. Por exemplo, quer no mundo dos humanos como no animal, é sempre a fêmea que é o sujeito da sedução e o macho o sedutor. Mas o sedutor nem sempre é aquilo que julgamos. Se um homem tentar seduzir uma mulher que não o queira, rapidamente compreenderá quem tem o poder no processo de sedução.

Mas quais são as famosas etapas de sedução?

O primeiro passo é prender a atenção do outro. Geralmente as mulheres valorizam os atributos físicos (ao contrário do mundo animal), enquanto os homens ostentam o seu poder e riqueza. Os homens exibem-se e as mulheres provocam. E vem o momento em que os olhares se cruzam. Se o olhar perscrutador do homem encontra o olhar receptivo da mulher, produz-se uma faísca repleta de promessas. Se a mulher sorri, revolve o seu cabelo com os dedos, o homem tem permissão para avançar. Caso contrário as suas hipóteses são reduzidas. O olhar é o instrumento de sedução mais eficaz no ser humano e tem o poder de decidir o sucesso ou insucesso de uma potencial relação.

A seguir há que iniciar uma conversação. A naturalidade e curiosidade em conhecer o outro um pouco melhor criam melhores probabilidades de gerar uma conversação, cujo conteúdo até nem é muito importante. A manutenção do interesse do outro é extremamente importante e para tal temos que ser observadores, estar atentos, esquecermo-nos de nós. A conversação é o ponto de ruptura: a sedução passa ou acaba, o encantamento permanece ou parte-se. De acordo com os antropólogos, é geralmente a mulher que gera o primeiro contacto físico, através de um leve aflorar da mão com a mão, sempre de forma fortuita e ingénua, ainda que premeditada e calculada quanto aos seus fins. É aí que começa o verdadeiro teste às capacidades de sedução. Com este ligeiro toque foi dito “sim interessas-me, continua a seduzir-me.”

A arte da sedução não diz respeito apenas àqueles que se querem envolver numa relação. Ela permite fazer durar um amor e reacender momentos de paixão numa relação ameaçada pelo tempo e pelas crises.

A sedução e o amor necessitam de manutenção, no sentido de haver uma ajuda mútua na satisfação das nossas necessidades de afeição, crescimento pessoal, necessidades sexuais, sonhos, projetos conjugais. Em suma, a ser felizes.