Os dados estatísticos relativos à depressão demonstram que, de facto, o número de deprimidos tem vindo a crescer de forma consistente nos últimos 50 anos e que esse crescimento se verifica sobretudo nas pessoas nascidas depois de 1945. Por sua vez, os sintomas depressivos têm vindo a surgir cada vez mais cedo, perto dos 20 anos, enquanto que antes não seria de esperar encontrar pessoas com esta doença com menos de 3o.
A análise dos dados de estudos transculturais tem demonstrado que, embora tenham vindo a ser descobertas causas associadas a fatores individuais, bioquímicos e genéticos, esta é uma condição fortemente associada a fatores culturais. Podemos encontrar inúmeros fatores depressores na nossa cultura e, entre outros, destacam-se a facilidade de acesso a enormes quantidades de informação e a alteração da noção de tempo, causados pela súbita evolução tecnológica. Só desde 1945 devemos ter acumulado e criado mais formas de acesso a informação do que aquelas que produzimos até então.
Quanto maior é a quantidade de informação de que dispomos mais nos vemos forçados a roçar- lhe apenas a superfície, para evitarmos uma sobrecarga. Do ponto de vista psicológico somos levados a olhar esse excesso de informação de uma forma global, descurando o detalhe, o pormenor, donde resulta que, quando tentamos resolver um problema, tenhamos tendência para nos perdermos porque, frequentemente, a sua solução nos aparece dispersa, como numa sucessão de pequenos objetivos. Assim, cresce em nós uma sensação de impotência perante os problemas, que nos faz senti-los como inultrapassáveis e que nos leva a desistir de resolvê-los antes mesmo de tentarmos. Mas esta grande mais-valia da revolução tecnológica — a economia de tempo — também contribui para o aparecimento da depressão na medida em que permite que tudo aconteça com maior rapidez, ao contrário do que se verifica nas relações interpessoais, valores e cultura, em que as mudanças ocorrem de uma forma muito mais lenta. Não podemos aprender a ser bons juízes de carácter num instante nem querer estabelecer uma relação amorosa perfeita de um dia para o outro. Este novo conceito aplica-se bem à tecnologia, trazendo-nos inúmeras vantagens, mas faz-nos esquecer de que é necessário muito tempo para vencer etapas e atingir objetivos no domínio das relações humanas. Talvez o exemplo mais próximo de muitos de nós se prenda com o facto de, ao partilharmos a intimidade tendo sexo com alguém, acharmos que imediatamente construímos uma relação, quando na realidade ainda nem conhecemos a pessoa.
O que é? A depressão é caracterizada pelos profissionais de saúde mental como uma perturbação do humor mas também como um sintoma que pode variar muitíssimo de indivíduo para indivíduo. É seguramente uma situação complexa que irá afetar inúmeras facetas da vida de uma pessoa. Pode afetar-nos fisicamente, originando sintomas como a insónia, a fadiga, perturbações do apetite, diminuição do desejo sexual, ansiedade ou afetar-nos psiquicamente, interferindo com a capacidade de pensarmos com clareza, estarmos atentos e recordarmos, levando-nos a tomar decisões inadequadas. Também pode afetar-nos emocionalmente, causando-nos sentimentos de tristeza, desespero, culpa, inutilidade e apatia e desregular-nos comportamentalmente, conduzindo-nos ao abuso de álcool ou outras drogas, tentativas de suicídio, e outros comportamentos antissociais e auto-destrutivos. Pode ainda afetar as relações interpessoais, sociais e familiares, conduzindo à agressão, retraimento e perturbações no relacionamento do casal e familiar.
Existem essencialmente três formas de depressão: a unipolar em que apenas um dos extremos do continuum do humor se encontra afetado, no sentido da depressão, a doença bipolar, antigamente conhecida como maníaco-depressiva, que leva o indivíduo a oscilar periodicamente entre o polo da depressão e da mania e a distimia, geralmente mais ligeira que nos casos anteriores, mas mais crónica.
Estar em sofrimento. Os comportamentos e humor das pessoas deprimidas afetam toda a família: a irritabilidade que despoleta conflitos e altera a dinâmica familiar, os padrões de pensamento pessimista que contaminam todos, a não participação nas tarefas e ações mais banais da família, que gera toda uma panóplia de sentimentos de rejeição.
Contudo, as famílias são os melhores cuidadores para estas pessoas, podendo influenciar decisivamente a cura ou o aparecimento de recaídas. Os familiares destas pessoas são elementos cruciais para um diagnóstico precoce desta afeção. Muitas vezes o próprio não reconhece determinados sinais como sintomas depressivos atribuindo- os a outras razões relacionados com a idade, o dia-a-dia ou características de personalidade. Por outro lado o meio familiar contribui de forma importante para a atmosfera emocional em que crescemos, e como tal pode tornar-se, ou não, num fator de recuperação.
Tratamentos. Muitas vezes é prescrita medicação e a adesão à mesma, bem como a eficácia na sua toma, pode depender do apoio que o indivíduo deprimido sentir no seu ambiente familiar. Se os parentes não compreenderem ou aceitarem a necessidade do tratamento, quer ele seja medicamentoso ou psicoterapêutico, os resultados podem ser prejudicados reforçando a dificuldade que o paciente tem em cumprir tarefas ou sentir motivação externa no sentido da sua cura.
Por sua vez, a participação da família nas sessões de psicoterapia pode ser muito importante, nomeadamente quando existam crianças pequenas ou adolescentes envolvidos, na medida em que os elementos da família não estão imunes ao negativismo, fragilidade e falta de esperança que caracterizam o meio familiar em que existe uma pessoa com depressão.
Assim, e de uma forma preventiva, deve ser dado espaço para que estes elementos possam encontrar respostas sobre a forma como lidar como elemento deprimido e dar largas aos sentimentos, como a raiva a culpa ou mesmo o desejo de “mudar de família”. É também uma oportunidade para que os familiares, com o apoio do psicólogo, possam criar alguma rotatividade nos cuidados à pessoa com depressão, nomeadamente nas fases mais agudas. É frequente os cônjuges sentirem-se alienados da relação e as crianças sentirem-se culpadas, ressentidas e com comportamentos estranhos, por exemplo na escola.
Recursos individuais. A medicação e a psicoterapia são indubitavelmente necessárias como formas de tratamento e os medicamentos atualmente disponíveis têm um número significativamente menor de efeitos secundários do que aqueles que eram prescritos há quatro ou cinco décadas atrás. Também tem sido alargado o leque de terapias breves eficazes no tratamento da depressão: da psicoterapia cognitiva comportamental à terapia familiar, passando pelo uso de técnicas específicas como a hipnose ou o EMDR (Eye Movement Dessensitation Reprogramation), as possibilidades destas pessoas se sentirem rapidamente capazes de reingressarem na vida ativa com prazer e motivação são cada vez maiores.
Contudo, existem uma variedade de recursos que devemos possuir e aprender a por em prática como forma de evitar a depressão, dos quais talvez o mais importante seja o de reconhecer e tolerar a ambiguidade. Nada ou quase nada é branco ou preto na nossa vida. A capacidade de lidar com a incerteza e de abraçar um grande número de possibilidades evitando a procura da solução única que, porque funcionou no passado tem de funcionar agora, pode proteger-nos de reações de impotência e desespero.
O pensamento crítico perante o que nos rodeia é crucial para vencer a depressão. A capacidade de julgarmos criticamente as nossas ações aceitando a responsabilidade das mesmas na medida certa, colocando em nós e não no exterior a capacidade e motivação para a mudança, permite-nos sermos “senhores de nós”, ultrapassando sentimentos de incapacidade ou inutilidade.
Por fim, embora muitos outros recursos fiquem por nomear, a capacidade de estabelecer objetivos parcelares — face ao grande objetivo — e de reconhecermos as características inerentes aos mesmos é uma ajuda preciosa para que cada vez mais nos sintamos capazes. Em última análise, cultivar o relacionamento saudável com os outros, começando pela nossa família, tornando possível expressarmo-nos livremente, sem rancor mas com vontade de nos darmos a conhecer, procurando entender os outros, é seguramente uma forma de prevenir depressões.