As novas tecnologias estão a mudar a forma como nos relacionamos. Os casais acrescentaram a Internet ao seu longo rol de maneiras de se afastarem um do outro.
Sou cada vez mais procurada por casais onde não há uma relação extraconjugal consumada com um ser humano, mas com uma máquina chamada computador e um modo de estar chamado “navegar no ciberespaço”.
Há algum tempo atrás recebi em consulta um casal jovem casado há 12 anos e com dois filhos. Descreveram-me uma relação conjugal interessante e estável para ambos até há um ano atrás, altura em que a mulher despendia cada vez mais tempo no chat do FB, desenvolvendo o que pareciam ser relacionamentos on-line. O marido acreditava que as relações com diversos homens se estavam a tornar progressivamente mais íntimas, acontecendo mesmo o uso de calão sexual “pesado”, nada habitual no comportamento dela. A relação de casal começou a piorar com um progressivo afastamento: o marido começou a passar cada vez mais tempo fora de casa, o que fez aumentar a necessidade da sua mulher em recorrer à Internet.
Este é um caso em que o problema da Internet é secundário aos problemas do casamento. O chat do FB servia apenas como escape para não falar sobre situações desconfortáveis para o casal. Contudo, nem sempre a adição à Internet assume estes contornos, havendo pessoas que, apesar de não estarem envolvidas em relações amorosas, desenvolvem comportamentos problemáticos no que respeita ao ciberespaço. É o caso da adição à pornografia, uma situação que me foi descrita por um bem sucedido profissional na casa dos 3o anos. Despendia muitas horas no computador durante e após o horário laboral, procurando sites de pornografia, fotos e filmes, utilizando de forma desregrada o cartão de crédito para aceder aos conteúdos. Descrevia a situação como estando “fora de controlo” (o que o incomodava porque contrastava com a sua capacidade de decisão), já que por várias vezes tinha tentado suspender por si próprio este comportamento. A vontade de levar avante o casamento com a namorada de há dois anos parecia constituir a motivação para procurar ajuda.
Trabalho ou adição? Esta forma de adição concretiza-se numa apetência de frequentar “espaços virtuais” e de estabelecer relações igualmente irreais. Mas nem todos os aditos da net procuram a mesma coisa. Os jogos, as salas de conversação, os sites de pornografia ou financeiros, etc., podem ser apenas alguns temas que levam estas pessoas a despender, por vezes, mais de sete horas diárias frente ao monitor. Ou seja, enquanto que algumas adições estão orientadas para o jogo e a competição, outras preenchem necessidades sociais ou são apenas uma extensão da profissão.
Quando um jovem compromete os seus estudos, uma mulher negligencia o marido e os filhos ou um marido começa a isolar-se progressivamente de todos para navegar no ciberespaço, então há uma adição patológica. Contudo, como em muitos casos de adição, pode ser difícil estabelecer o limite entre o normal, resultante do entusiasmo inicial, e o patológico. Mesmo que seja muito intenso, o gosto que sentimos por determinada actividade não é obrigatoriamente uma forma de adição. Inclusive, há um grau de entrega a determinadas acções que podem ser consideradas extremamente saudáveis, sem que isso constitua numa adição. No entanto, sempre que os problemas ultrapassam os benefícios dessa actividade, pode estar em causa um comportamento aditivo — que leva à libertação de serotonina, uma substância neuroquímica que produz euforia e sensação de prazer. Embora seja de curta duração, este processo é muito intenso e agradável, mas gera habituação.
Combater o tédio. A vida do dia-a-dia pode ser muito monótona e os comportamentos aditivos estão muitas vezes relacionados com a necessidade de combater esse tédio. Muitos comportamentos autodestrutivos, como são geralmente os aditivos, começam como uma tentativa de combater o tédio.
As adições também podem ser entendidas como uma forma de tentarmos controlar a ansiedade e a depressão, reflectindo inseguranças profundas e sentimentos de vazio interior. A Internet é cada vez mais um meio ideal para o fazer, uma vez que permite expressar emoções e sentimentos sob a protecção do anonimato.
Determinar a existência de uma adição pode não ser fácil. A Internet é usada por muitas pessoas como uma componente essencial da profissão e determinar se a sua utilização é excessiva não pode ter apenas como critério o número de horas dispcndidas on-line. Os utilizadores normais, por muito tempo que estejam on-line, não sentem um desejo irresistível de entrar no ciberespaço e não negligenciam as suas tarefas profissionais, relações com a família e amigos só para estar à frente de um computador, coisa que acontece em casos de adição.
Provavelmente, o tipo de socialização que a Internet permite é o que a torna tão apetecível. Sejam as redes sociais, salas de conversação ou jogos on-line, as pessoas despendem tempo a comunicar, o que não é forçosamente uma adição no que respeita a comportamentos compulsivos, mas uma fuga para situações que recusamos enfrentar no “mundo real”.