nao

Aprender a dizer não

Na relação que temos com os outros, é essencial identificar limites. Seja entre amigos, no casal ou em família, saber dizer não é uma virtude que nos poupa muito sofrimento.

De um modo geral, todos aprende­mos a palavra “não” por volta dos dois anos de idade e utilizamo-la com bastante frequência. Faz par­te do processo de crescimento e so­cialização saudáveis dizer não pa­ra desafiar a autoridade dos mais velhos, principalmente dos pais. Mas nesta altura é-nos permiti­do dizer não com bastante liber­dade.

Muitos de nós, no entanto, cres­cemos a ouvir dizer que devemos agradar aos outros. Dizer não vai desaparecendo gradualmen­te do nosso vocabulário ao longo do crescimento, sendo substituí­do por inúmeras maneiras de ser­mos agradáveis, disponíveis e sim­páticos. Não é suposto negar o pe­dido do chefe para fazer horas ex­traordinárias ou ao pedido da fa­mília para cumprir mais uma tra­dição com os nossos pais, mesmo que isso ponha em causa os nossos planos. Subentendido a tudo isto, acreditamos que dizer não pode custar muito na nossa vida emo­cional, profissional e relacional.

Olhar dos outros. Exprimir de­sacordo obriga-nos a ter uma ati­tude pró-activa, ou seja, a colocar em questão a ordem estabelecida e, em seguida, a aceitar o dever de dialogar e negociar com o outro. Mas também nos fragiliza, na me­dida em que nos expomos a críti­cas e ao escrutínio dos outros. Recentemente vi em consulta uma senhora considerada por todos que a conhecem como uma pessoa de extrema disponibilidade e simpa­tia, sempre disposta a ajudar os ou­tros e a aceitar as necessidades de­les como suas. Após uma situação de doença grave, esta senhora pa­rou para pensar em si e teve a cora­gem de dizer que não estava dispo­nível. No entanto, a falta de hábi­to de a ouvirem dizer não surpre­endeu todos. E a falta de resposta que encontrou junto daqueles a quem pediu ajuda fê-la sentir-se, como me confessou, “má, agressi­va, uma alma atormentada.” Presa entre a necessidade de se afirmar e o hábito de dizer sempre que sim, sentia que lhe faltava a capacidade de saber dizer não e de ser capaz de negociar uma alternativa. Mas es­sas alternativas existem, como ve­remos a seguir.

Não agressivo. É afirmado com despeito. São utilizadas frases co­mo “Está a brincar comigo? Eu cuidar do seu animal enquanto você estiver fora?”. Algumas vezes inclui um ataque à pessoa que faz o pedido: “Deve estar doi­do, eu nunca poderia tomar conta seu animal enquanto você es­tiver fora!”

Não negativo. É acompanhado pelas desculpas de “mau pagador” e racionalizações, ou seja, expli­cações muito consistentes sobre as razões que impedem aceder ao pedido. Se sentimos falta de con­fiança quando dizemos não, pode­mos pensar que necessitamos jus­tificá-lo com inúmeras razões para convencer o outro. Podemos mes­mo inventar uma desculpa para apoiar esta decisão que, no entan­to, pode voltar-se contra nós se a mentira for exposta.

Não assertivo. Simples e direc­to: “Não, não me será possível aju­dá-lo com isso!” Podemos oferecer uma explicação, que também deve ser clara e simples: “Não, não me será possível ajudá-lo com isso, já tenho um compromisso para sex­ta-feira à noite.”

Afirmação pessoal. As contra­dições, os desacordos e os acordos possíveis permitem uma comuni­cação verdadeira. Sempre que for­mos assertivos a dizer não, pode­mos dedicar um bocadinho do nosso tempo ao prazer que sen­timos nessa forma de afirmação pessoal. Em suma, saber dizer não aos outros permite-nos dizer “sim” a nós mesmo da forma mais acertada. 

 

Para pensar:

  • Para obter um “sim” da sua parte, todos os seus interlocutores vão tentar fazer com que se sinta cul­pado. Não se deixe influenciar nem ceda a chantagens, sobretudo à chantagem emocional.
  • Quando alguém lhe fizer um pedido, pondere os prós e os contras da questão com tempo e dê a sua resposta. Nunca hesite em pedir um tempo para reflectir e recorde-se que a decisão depende apenas de si.
  • Assegure-se de que a sua voz soa firme e directa. Olhe as pessoas nos olhos quando diz “não” e reforce o que diz abanando a cabeça ao mesmo tempo.
  • Recusar é sempre fonte de an­siedade. Aprenda a geri-la, tomando consciência dos pensamentos negativos que confundem a vontade de recusa. Substitua os monólogos interiores negativos por pensamentos realistas como “tenho o direito de exprimir as minhas opiniões”.
  • O método do “não, mas…” permite- nos contornar a dificuldade. Ofereça alternativas sem abdicar da sua decisão. Mostramos assim que reflec­timos no pedido que nos foi feito e que a nossa recusa não surgiu apenas por desinteresse ou por ser a resposta mais fácil.
  • Dizer “sim” quando quer dizer “não” poderá ser fonte de mal-estar. Isso consome ener­gia, gera desconforto e seria desnecessário se apenas tivesse dito “não”.
  • Não recuse apenas pelo espírito de con­tradição, porque está enervado, tenso ou porque acha que “já aprendeu a lição”. O “não” deve ser autêntico e favorecer mudanças genuínas.
Tags: No tags

Comments are closed.