Numa época em que cada vez mais ouvimos falar no aumento da infertilidade feminina e masculina, nos avanços tecnológicos que permitem à medicina ter cada vez mais respostas para este problema, pode parecer estranho falar de casais que optam por não ter filhos.
Contudo, a decisão de não ter filhos não é um fenómeno recente nem uma questão pacífica no seio de uma relação. Muito se tem falado na Europa acerca do envelhecimento populacional, que parece ser um dos factores que nos tem levado a questionar fortemente as políticas dos diversos países no que se refere às formas tradicionais de apoio na velhice e na doença. Os argumentos utilizados por ambas as partes, casais com e sem filhos por opção, parecem conter uma lógica inabalável, que nos leva a dizer que ambos têm razão. Talvez a resposta esteja na compreensão destes argumentos e no respeito pelas escolhas conscienciosas de cada um.
As razões. “Não se trata de fazer a apologia da não maternidade, mas seria um erro deixar de considerar a possibilidade de nos ser difícil suportar a ideia de que quando o nosso filho deu os primeiros passos não foi para os nossos braços, ou nos momentos mais importantes não estivemos, lá.” Este é um dos argumentos frequentemente encontrados para justificar a opção de alguns casais para não serem pais. Poucas pessoas compreendem porque alguém escolheria não ter filhos. Trata- se, contudo, de uma opção cada vez mais comum e, como é natural, não reflete nada de anormal nessas pessoas.
Numa sociedade marcada pela educação judaico-cristã, o propósito da união dos seres seria o da procriação. Casava-se para ter filhos e quando tal não acontecia algo de muito errado se passava, geralmente relacionado com infertilidade imputada às mulheres. Muitas cabeças rolaram, impérios caíram, a própria Europa foi vezes sem conta redesenhada por casamentos estéreis ou sem varão. A Inglaterra optou mesmo por uma nova religião que permitisse ao seu rei casar pela igreja, até aí a última instância capaz de sancionar um casamento. Assim se percebe que predomine a crença de que um casal sem filhos não seja um casal completo.
Por opção. A realidade impõe-se e as antigas crenças são desafiadas, nomeadamente pelo crescente número de casais que escolheram viver sem filhos. Nos EUA, já em 1975, um em cada dez casais não tinha filhos. Atualmente, pensa-se que cerca de um em cada cinco não tenham filhos por opção. Mas se as dúvidas relativamente a estas opções já são antigas, a nova realidade também nos obriga a aceitar novas respostas. Se estes casais ainda sentem alguma agressividade ou incompreensão pela sua escolha, tal deve-se ao facto de que a sociedade muda mais lentamente do que os indivíduos, e aqueles que voluntariamente optaram por não ter filhos são muitas vezes visto como anormais, culpados, egoístas e deixados de fora de muitas atividades.
Escolher não ter filhos, no entanto, pode ser uma decisão saudável. Geralmente é uma escolha longamente ponderada e discutida no seio do casal e reflete um verdadeiro desejo, não existindo nada de errado para quem escolhe este estilo de vida. Com frequência, se os elementos do casal não conseguem estar de acordo sobre este assunto, geralmente ocorre uma separação. São opções de fundo e que mudam a vida de uma pessoa para sempre. Passado o tempo de procriação de uma mulher, o casal poderá sempre experimentar ser pai através da adopção, mas dificilmente serão os pais naturais de uma criança.
Estilo de vida. Muitas são as razões que levam os casais a não terem filhos, o que pode abranger desde opções religiosas ou ideológicas até a um estilo de vida. Por um lado existe uma realidade sociológica que leva a poder escolher. Escolher, porque a medicina nos permite controlar a natalidade e porque a sociedade promove valores que acentuam a liberdade individual na escolha de estilos de vida. Por outro lado, a consciência que o investimento numa carreira é muitas vezes incompatível com a noção de pais que estes casais gostariam de ser leva-os a optar pela satisfação profissional.
Ainda, e talvez o mais importante, é o sentimento que estes casais expressam de não precisarem de um filho para se sentirem completos ou encontrarem o seu objectivo na vida. Muitos, pura e simplesmente não desejam ser pais. Todos temos esse instinto? Talvez, mas a nossa condição de seres pensantes permite-nos ir para além dele e fazer opções distintas.
Partilhar o tempo. Outros casais sentem uma vontade enorme de continuar a razão que os levou a juntarem-se: partilhar o tempo. Sem as responsabilidades inerentes aos filhos, estes casais têm mais energia e tempo para se dedicarem a uma variedade de coisas que gostam de fazer em comum. Viajar costuma ser opção mais vulgar.
A lista não tem fim, mas pode incluir a carreira profissional, a melhoria da educação própria, o desenvolvimento e manutenção de amizades, o envolvimento total em atividades para além das profissionais, a procura de um maior desenvolvimento pessoal, maior liberdade e segurança financeiras.
A decisão de não ter filhos, por parte de um casal, vai ser seguramente questionada. Primeiro pela família, que esperava um neto, um herdeiro, um continuador do nome de família, depois por amigos e colegas. E nos momentos em que a culpa os assalta, devem lembrar-se que esta decisão se baseou no desafio de manter vivo, ao longo dos anos, o interesse mútuo em cada um e em atividades conjuntas, mas também num bom equilíbrio entre a partilha e a individualidade de cada um, de tal forma que ambos sejam um casal sem que um se funda no outro. Também a atitude perante a velhice é normalmente equacionada de forma diferente, na medida em que, para além dos amigos, se não existirem outros familiares, os dois elementos do casal apenas contam um com o outro, o que em geral os leva a adoptar estilos de vida mais saudáveis, em que mesmo o stress profissional é compensado com outras atividades.
Para pensar. Ainda assim, e sempre que as dúvidas nos assaltarem, devemos colocar-nos questões como: O que procuramos obter da experiência de sermos pais? O que é para nós uma vida com significado? Como é que uma criança cabe nessa concepção?
Optar por não ter filhos é um assunto polémico e geralmente discutido com emoção. São vários os sitios da Internet que debatem estes assuntos. Em 1997, Korasick, uma mulher de 32 anos casada com um homem de 30 anos criou o Child Free Website para se ligar a outros como ela: casais que não querem ser pais. Ao fim de alguns dias, Korasik foi inundada com emails de agradecimento por outros casais na mesma situação, que encontraram eco e um espaço para partilharem as suas experiências. Atualmente existem muitos sites dedicados a casais sem filhos por opção, que, inclusive, organizam atividades para confraternização.