Uma traição induz muito sofrimento no casal e põe em causa uma das certezas mais importantes da sua base: a confiança.
Grande parte da hesitação que as pessoas sentem em confiar de novo após terem sido enganadas é sentirem que foram ingénuas e não quererem repetir o mesmo erro. É uma preocupação justificada, na medida em que a confiança que ambos os elementos do casal depositam um no outro se baseia no mito da monogamia.
Prevenir. Não existem técnicas para prevenir situações de infidelidade. Contudo, há ideias-chave que os casais devem partilhar e que podem ajudar a evitar o desenvolvimento de relações extra-conjugais:
- Estar ciente que ninguém é imune a uma relação fora do casamento.
- Assumir um compromisso de honestidade, que, no fundo, é mais forte do que apenas uma promessa de monogamia.
- Procurar continuamente uma comunicação aberta e honesta sobre tudo o que afecta o relacionamento, incluindo a atracção por outras pessoa.
Restaurar a confiança. Os mitos têm, de facto, a capacidade de nos fazer acreditar que não precisamos de lutar por aquilo que queremos, na medida em que nos asseguram essa realidade. Reconstruir a confiança é, por isso, o objectivo mais difícil e necessário de atingir neste processo de reconciliação, não só com o outro mas também connosco. A urgência de levar o outro a acreditar que é possível confiar de novo leva, com frequência, a cometer o erro de afirmar a nova forma de estar através daquilo que acabámos de negar, atestando a nossa crença na monogamia.
A verdade é que restaurar a confiança não passa apenas por reafirmar algo que provámos não ser possível, mas envolvermo-nos seriamente num compromisso honesto, o que, entre outros, envolve partilha de sentimentos. Quando isso acontece, e quando existe capacidade para partilhar com o parceiro os medos, interesses e, até, atracções por terceiros, estamos a construir uma relação baseada na confiança e com um entendimento mútuo bastante mais profundo. O maior entrave com que nos deparamos nesta situação é assumir que a relação extraconjugal terminou. Outro é saber se somos capazes de ultrapassar a mágoa e se o que sentimos pelo outro ainda é suficientemente forte para que faça sentido recomeçar. Como sempre, recuperar a confiança é essencial.
Procurar ajuda. Este objectivo é atingido mais facilmente quando homem e mulher procuram uma terapia de casal a que ambos aderem —o que não acontece numa terapia individual, que, numa fase inicial, pode contribuir para uma alienação ainda maior entre o casal, mas não significa que após a terapia de casal cada um fique impedido de procurar ajuda individual para compreender os problemas emocionais que conduziram à infidelidade. Trabalhar em conjunto com um terapeuta ajuda a contextualizar a infidelidade, a explorar os problemas conjugais e, eventualmente, a evitar o divórcio ou optar por uma forma construtiva de o realizar.
Geralmente quem comete a infidelidade é muitas vezes atacado pelo seu comportamento e é difícil ao casal conseguir adoptar um comportamento que promova o diálogo. Ora, o terapeuta permite criar um contexto seguro, confidencial e equilibrado, no qual o trabalho conjunto com o casal reside na reconstrução do seu relacionamento.
Pontos comuns. Este trabalho terapêutico, ainda que seja dirigido ao casal, tem em consideração reacções individuais que são comuns em praticamente todas as situações de infidelidade. Assim, é comum encontrar em ambos os cônjuges uma reacção depressiva ao acontecimento, ansiedade e um profundo sentimento de perda. Normalmente, o cônjuge traído apresenta reacções que incluem uma necessidade quase obsessiva de recordar os detalhes do relacionamento extraconjugal e um escrutínio constante na procura de sinais de novas traições. Estas manifestações são semelhantes às que encontramos no stress pós traumático e devem ser encaradas como tal do ponto de vista terapêutico. Por outro lado, o cônjuge envolvido na relação extraconjugal pode recear um castigo “eterno” pelo seu acto, ao mesmo tempo que tem que fazer o luto dos sonhos e vivências dessa relação. Trata-se de um processo importante a ter em conta durante a terapia, na medida em que pode comprometer o envolvimento na intenção anunciada de recuperação do actual casamento.
Durante a primeira fase da terapia torna-se necessário clarificar o objectivo que move o casal: reconstruir o casamento, resolver a ambivalência no sentido de continuar ou não o casamento ou optar por um divórcio construtivo. Não é necessário que ambos estejam inicialmente de acordo quanto a esse objectivo e pode muito bem acontecer que durante a terapia este evolua num ou noutro sentido.
Processo terapêutico. De acordo com William Doherty, membro da Associação Americana de Terapia Familiar, existem três fases a considerar durante o processo terapêutico com durações e conteúdos distintos.
A primeira, que tem lugar durante o primeiro mês após a decisão do pedido de ajuda, o casal pode sentir o renascer da esperança e da sensação de prazer na sua relação. A crise imediata é contida e a decisão conjunta de procurar ajuda dá a ambos a noção de trabalho conjunto e investimento mútuo.
Numa segunda fase, que pode durar alguns meses, o terapeuta trabalha com o casal a relação extraconjugal e os problemas anteriores do casamento. Trata-se de uma fase muito delicada, na medida em que poderá haver tendência para colocar a responsabilidade no outro ou nos problemas conjugais. Com estas questões aparecem frequentemente reacções de zanga, raiva e angústia do elemento traído, o que contrasta com o clima da primeira fase. A reconstrução da confiança remete com frequência para reacções incongruentes, para avanços e recuos, que o parceiro que teve a relação extraconjugal tem de aprender a tolerar, nomeadamente com a ajuda do terapeuta, que procurará colocar estas reacções em contexto, permitindo ao casal compreendê-las à luz de outra realidade que não a falta de vontade em cooperar.
Numa terceira fase, provavelmente a mais longa, a terapia é orientada no sentido de reconstruir o relacionamento. A ideia-chave é sempre a mesma: não adianta fazer mais do mesmo, há que ser criativo, inventivo na forma de estar e saber cativar. O desenlace nem sempre é feliz. Muitos casais utilizam um relacionamento extraconjugal como pretexto para pôr fim ao casamento actual, muitos deles porque não sabem trabalhar o que o afasta do outro e da relação. No entanto, casais que se envolvem e comprometem num processo muitas vezes difícil e penoso conseguem um casamento marcado por um maior entendimento, proximidade e, especialmente, cumplicidade.