Os amigos têm características muito próprias e variadas que quase sempre nos ajudam a enfrentar crises pessoais mediante diferentes soluções.
Os amigos que estão sempre em festa podem ser uma importante ajuda quando a solução para o nosso problema é simplesmente sair para dançar e ver pessoas. Nessas alturas não há como a boa disposição daqueles amigos que estão sempre prontos para nos arrastar para o último bar da moda. São, na verdade, o par perfeito quando sentimos que a depressão e a tristeza nos inibem a capacidade de encarar os problemas e tiram força para fazer aquilo que desejamos e que sozinhos não conseguimos.
Há, no entanto, que não confundir os números de telefone, pois na generalidade estas pessoas encaram a vida de forma superficial, não promovendo com essa forma de estar a reflexão sobre os assuntos. Muitas vezes este estado de festa constante resulta de uma fuga à realidade e de uma incapacidade de lidar com o sofrimento, e ainda que possa ser bastante positivo puxar um amigo para fora de casa, também devemos reflectir e, quem sabe, sofrer um pouco.
Amigo honesto. É aquele que nos diz tudo, o que queremos e não queremos ouvir. Pergunta o que mais ninguém tem coragem de perguntar, mesmo que as respostas sejam duras de encarar. Existem momentos, no entanto, em que a franqueza pode ser muito indigesta. Ainda que sábias, as palavras de um amigo podem não ser exactamente aquilo que precisamos para modificar uma situação. A mais-valia deste tipo de amigos consiste na sua franqueza, que em muitos casos é o empurrão necessário para pôr em prática o que sabemos que precisa ser feito.
Os velhos amigos, com quem por vezes estamos apenas uma vez por ano, têm também um papel muito importante nas nossas crises. Provavelmente não estão connosco no momento em que ela se declara ou em que precisa de ser resolvida, mas a distância dá uma visão mais objectiva e descomprometida que nos leva a encarar soluções que muitas vezes já conhecíamos e apenas precisávamos de aplicar a novos contextos.
Reencontrar um velho amigo também é uma possibilidade de ter uma conversa agradável e descomprometida em que são recordados velhos acontecimentos e soluções que se revelam muito úteis para o momento actual. Na medida em que a solução dos nossos problemas tem de vir de dentro, recordar com um velho amigo de infância características que sempre tivemos e que deixámos adormecer pode ter um papel preponderante para encontrarmos soluções para as crises.
Ombro amigo. Outro tipo de amigos são aqueles que sabemos poder confidenciar as maiores angústias e problemas, que estão sempre pronto para ouvir e que assumem uma importância fundamental em momentos de crise aguda. Geralmente, nestes momentos de crise mais intensa procuramos esta faceta da amizade e é bom termos alguém que sabe ouvir. Nem sempre nos oferecem soluções, mas inspiram confiança e são capazes de nos dar colo. São muitas vezes considerados os verdadeiros amigos e o que os torna tão especiais é a sua capacidade de ouvir, a sua sensibilidade e bom senso. Mas a melhor qualidade talvez seja a capacidade de ouvir. E saber ouvir é cultivar a difícil arte da empatia, que, descrita de uma forma muito simples, é a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro.
Saber ouvir. Comunicar é muito mais que a simples troca de palavras. Há um número infinito de nuances que geram estímulos percebidos e recebidos pelo outro, através dos quais a comunicação se processa. O olhar, o tom de voz um pouco diferente, um franzir de sobrolho, um sorriso podem comunicar muito mais do que apenas as palavras nos dizem. Saber ouvir é muito mais do que escutar. Saber ouvir é sermos capazes de nos colocar no lugar do outro, prestar atenção ao significado das palavras, à forma como a mensagem está a ser transmitida, ao estado emocional que se processa cm nós e no outro.
Os bons amigos são capazes de ouvir. Com frequência estamos de tal forma orientados para encontrar soluções que muitas vezes nos esquecemos de ouvir o que o nosso amigo precisa de desabafar. Muitas vezes o seu pedido é só esse e, como tal, dar-lhe mais é sinal de que não o percebemos.
Ouvir aquele que sofre exige da nossa parte uma capacidade de abdicação e entrega muito grande. Implica sermos capazes de dispor do nosso tempo para partilhar o seu sofrimento. Mas se é bom ter este tipo de amigos, nem sempre é fácil sê-lo. Por vezes o excesso de desabafos pode tornar-se prejudicial para a amizade. Também podemos sentir lealdades conflituais, quando as questões que nos são colocadas envolvem pessoas com quem temos relações igualmente fortes. Por vezes, a melhor forma de ajudar um amigo é encaminhá-lo para um especialista, eventualmente um psicólogo, que está treinado para lidar com questões da distância, pois não tem uma relação de amizade a preservar.
Tinha um amigo que, sabendo da minha formação, desabafava com frequência as suas desavenças conjugais. A minha relação de amizade era mais forte e antiga com ele, mas também com a sua mulher. Por sua vez, o tipo de problemática que me trazia repetia-se com muita frequência. Mudavam os conteúdos mas a forma mantinha-se. Tentei ajudá-lo ouvindo-o e incentivando-o a questionar-se sobre outras formas de olhar para o assunto. Mas a relação de amizade complicou-se. A minha incapacidade para lhe fornecer soluções com que concordasse, a minha recusa em servir de “pombo-correio” entre ele e a mulher, começou a arrefecer a relação. Finalmente entendi que a melhor ajuda que podia prestar a este casal, que também era meu amigo, era indicar-lhes um profissional que fosse capaz de guardar a distância necessária para conseguir a objectividade, também necessária, que obviamente eu já tinha perdido. Com isso salvei uma boa amizade com duas pessoas, que hoje já não estão juntas.