Todos nós procuramos no nosso parceiro qualidades semelhantes às nossas, alguém que tenha interesses comuns e partilhe necessidades idênticas de independência, intimidade e poder. Uma vez feita essa escolha, iniciamos o namoro, um processo mais ou menos longo com características próprias – que tem como finalidade a construção de uma terceira identidade na relação resultante da passagem do “eu” para o “nós”.
Na fase inicial do namoro idealizamos planos, partilhamos sonhos e fazemos um esforço para ignorar as divergências e os aspectos menos positivos da pessoa que começamos a amar. E muitas vezes acalentamos a ideia de que, depois do casamento, a convivência e o amor irão transformar os aspectos menos positivos do outro.
Neste processo de transição do “eu” para o “nós” começamos também a aprender a delimitar fronteiras relativamente aos familiares e amigos, de tal forma que a construção da nova intimidade enquanto casal seja uma prioridade. Se o namoro corre bem, acabamos por nos decidir pelo casamento, ou seja, aceitamos que somos capazes de partilhar vinte e quatro horas do dia e comprometemo-nos a construir um casal, algo diferente da soma de duas pessoas.
Na vida de casal, como noutras coisas da nossa vida, podemos caracterizar períodos específicos que ocorrem com um certa periodicidade. Geralmente, os primeiros anos são aqueles em que o projeto que iniciámos com o namoro ainda nos faz muito sentido e, por isso, aceitamos bem a proximidade do outro, procurando partilhar tudo. No entanto, a nível individual trata-se de um período de conflitos e incertezas perante aquilo que julgamos ser a perda de alguma liberdade e o confronto com a necessidade de desviarmos os nossos interesses pessoais para outras áreas.
O nascimento do primeiro filho é um dos momentos de maior alegria, mas também de maior stress e tensão no casal. O aparecimento de um terceiro elemento tem consequências que podem abalar os alicerces de uma relação que ainda agora começou a ser desenvolvida.
Esta alteração obriga à redefinição de papéis. Deixamos de ser apenas marido e mulher para passarmos a ser pais.
A disponibilidade para nos conhecermos tem agora que ser partilhada com mais um elemento. Nesta fase gera-se igualmente um convite à reintrodução das famílias de origem e dos amigos que querem partilhar esta alegria, mas que simultaneamente são uma ameaça às fronteiras estabelecidas pelo e para o casal.
Ultrapassada esta fase, a vida de casal continua até os filhos ganharem autonomia face aos pais, fazendo antever a possibilidade de se encontrarem os dois novamente a sós. E este é outro momento de instabilidade. Se fomos capazes de alimentar a relação de casal para além das necessidades de criar os filhos, se fomos capazes de manter interesses comuns enquanto casal, então seremos capazes de reorganizar relacionamentos, regras de funcionamento e sentir o outro como o companheiro de sempre e não um estranho.
Alguns casais, no entanto, decidem interromper este processo, separando-se, para voltarem posteriormente a casar com o mesmo companheiro. Pode parecer estranho, mas, na verdade, muitos casais que querem experimentar coisas na vida juntos não o conseguem.
Há algum tempo conheci um casal que após um namoro de dois anos decidiu casar. Mantiveram-se casados durante três anos, ao fim dos quais se divorciaram. Nunca perderam o contacto, mas foram conhecendo e namorando outras pessoas. Ao fim de quatro anos decidiram voltar a casar e estão juntos há sete, têm dois filhos e um terceiro a caminho.
Para este casal, o casamento inicial não lhes permitiu gozar a sensação de autonomia que a capacidade financeira, a emancipação dos pais e a possibilidade de desenvolvimento de um projeto profissional possibilita. O casamento tornou-se numa coisa desinteressante, pautado por algumas discussões e convívio difícil. Com a separação, um e outro foram capazes de descobrir novos recursos dentro de si mesmos, coragem para desenvolver capacidades individuais e o prazer de gozar o sossego de um espaço que não tem que ser partilhado, uma solidão desejada que alterna com a vontade de sair com novas pessoas.
Durante este período de afastamento, cada um aprendeu a viver sem o outro, a construir projetos individuais, a sair de um relacionamento em que a fusão era tão intensa que não se sabia onde começava um e acabava o outro. Mas, com o tempo, as mágoas e ressentimentos foram-se suavizando e a comparação com os outros que foram conhecendo mostrou-lhes que a escolha inicial afinal tinha muitas qualidades.
Assim, alguns casais que pensavam ter esgotado as possibilidades começam a repensar a relação e a encarar a possibilidade de voltarem a sair juntos. Por vezes a paixão regressa e o medo de sofrer faz com que a reconciliação seja precedida de um cauteloso namoro em que aceitam sair juntos, renovar a sexualidade e, acima de tudo, conversar escutando o outro.
Não se trata de um conto de fadas.
A hesitação, o medo de repetir um erro e de ser novamente abandonado são reais. Mas a valorização das qualidades daqueles com quem partilhámos alguns anos e o sentimento de amor levam-nos a ultrapassar estes medos e a investir novamente no nosso companheiro, ainda que de forma diferente, aprendendo com o passado.