Todos nós conhecemos ou vivemos histórias de ciúme pois não dizem respeito apenas às relações amorosas. O ciúme pode estar presente em qualquer tipo de relacionamento e a minha experiência como terapeuta prova isso mesmo.
Pedro, um exemplo comum, tem atualmente 33 anos e assume que lidou com o ciúme em quase todos os relacionamentos que teve. Para ele, o ciúme e uma experiência que remonta aos seus primeiros anos de escolaridade. Não só se mostra ciumento com a sua companheira atual, como com os seus amigos e colegas de trabalho. Faz o melhor que pode para esconder esta sua faceta, mas quando o ciúme ataca dá-se conta de que faz comentários e tem atitudes que invariavelmente vem a lamentar depois. Por vezes opta por se retirar e torna-se distante, como forma de tentar manter estes sentimentos extremamente dolorosos para si mesmo. O Pedro, quando me procura, sente-se profundamente frustrado, sem saber como proceder.
Ana e Vasco, outros exemplos, estão casados depois de cada um ter passado por divórcios relativamente calmos, que lhes permitiram a manutenção de um bom relacionamento com os ex-cônjuges. Vasco não teve filhos, mas Ana tem dois rapazes do casamento anterior. As queixas do casal relacionam-se com a incapacidade de Ana para lidar com o que considera serem os ciúmes do Vasco em relação aos dois miúdos. Nada tem a ver com o pai das crianças, mas com o tempo que a Ana dedica aos filhos. Ana começa a ver como única saída um novo divórcio e por isso consegue que Vasco valorize a questão e venham juntos à consulta.
Muitas vezes a procura de ajuda só acontece quando o parceiro se cansa da falta de confiança, dos infindáveis interrogatórios, dos gritos, das constantes acusações injustificadas e, por vezes, de uma intensa violência, psicológica ou mesmo física.
A iminência ou a concretização da perda faz muitas vezes com que o ciumento descubra da forma mais dolorosa que afinal nunca controlou nada, não evitou a perda, nem se mostrou insubstituível.
Onde começa o ciúme? Enquanto crianças todos começamos por acreditar que somos o centro do universo e que a nossa mãe é exclusivamente nossa. Podemos dizer que o primeiro ciúme que sentimos se refere ao momento em que tomamos consciência da existência do nosso pai, que passa a ter existência real e que, de alguma forma, nos “rouba” a nossa mãe.
Um outro momento importante que nos pode levar a sentir ciúmes tem a ver com o nascimento de um irmão mais novo. O amor e o colo, o carinho e atenção que até aí eram só nossos passam para este irmão mais novo e, muitas vezes, de uma forma muito intensa. Enquanto crescemos, quanto mais nos sentirmos seguros do amor dos nossos pais ou das figuras que os substituem e são igualmente importantes, mais nos sentimos imunes ao medo de uma futura perda, ainda que nem mesmo os pais mais atentos e dedicados nos possam proteger. Ou seja, é necessário ao nosso crescimento sabermos lidar com o sentimento de perda, não permitindo que a ausência do outro nos faça desaparecer ou sentir desvalorizados enquanto pessoas.
Não levamos muito tempo a perceber que o ciúme é um sentimento negativo mas, tal como as outras emoções que não podemos simplesmente eliminar, aprendemos a introjetar esse sentimento nefasto e a virá-lo contra nós próprios ou a virá-lo contra o objeto dos nossos sentimentos.
No primeiro caso o ciúme pode converter-se em auto-repulsa levando-nos a acreditar que não somos merecedores de amor ou, até, incapazes de obter o que desejamos da vida e, como tal, desistimos de tentar transformando-nos numa espécie de vítimas. Já o ciúme exteriorizado degenera com frequência em raiva. Interiorizamos os sentimentos maus e projetamo-los sobre a pessoa que julgamos ter roubado o nosso amor. E a raiva ciumenta pode destruir uma amizade, dar cabo de um amor e, em casos extremos, matar uma pessoa.
Afinal o que é o ciúme? O ciúme surge como um mecanismo inconsciente que procura controlar e reter o outro só para si. Tudo o que não se encontra dentro da relação simbiótica passa a representar uma ameaça para o parceiro que não suporta a ideia de ser abandonado.
No entanto, o ciúme é a expressão de uma emoção e, como tal, é normal senti-lo.
A habilidade reside em não nos deixarmos dominar por ele, tentando, pelo contrário, dominá-lo, controlando os comportamentos a ele associados para que não cause danos irreversíveis à pessoa e/ou ao relacionamento.
Está ligado a influências culturais, sociais e à história de vida de cada um.
O sentimento maior que motiva o ciúme é a desconfiança. Mas existem outras características de personalidade que estão presentes de forma mais ou menos vincada no ciumento. A necessidade de posse é um dos traços fortes do ciúme. Quem ama é capaz de dar espaço ao outro, de respeitar a sua individualidade não se sentindo ameaçado pela presença de terceiros. O medo de perder o ser amado para outra pessoa também pode ser devastador. Muitas vezes uma baixa auto-estima e falta de aceitação tal como somos, faz com que a pessoa se sinta diminuída e em constante perigo de ser trocada por outra mais interessante.
O egoísmo é uma das marcas mais gritantes de um ciúme doentio. Por oposição ao amor altruísta, estas pessoas são capazes de expressar sentimentos como “prefiro ver a minha mulher morta do que vê-la a viver com outro!”. Na realidade quando o ciúme nos toma nas suas garras, parece que o coração não nos cabe no peito, a respiração torna-se dolorosa enquanto lutamos para trazer um pouco de ar para os pulmões e as nossas emoções parecem oscilar entre uma raiva incontrolada e o pânico total. Este desequilíbrio no sistema nervoso faz aumentar o nível de adrenalina, interfere na dinâmica dos neurotransmissores e faz parecer que tudo desaba dentro do nosso corpo, rompendo-se o equilíbrio do bem-estar.
O ciúme hoje. Um dado interessante é o de que o ciúme parece estar cada vez mais presente nos relacionamentos actuais. No entanto não é uma doença contagiosa que se possa pegar através do contacto com os outros.
O estatuto do homem e da mulher tem vindo a alterar-se de forma muito intensa nas últimas décadas. Existem, especialmente para as mulheres, oportunidades de sucesso e realização profissional baseadas no seu próprio mérito. Ou seja, quer para a mulher como para o homem aumentaram as possibilidades de escolha. Hoje em dia as mulheres podem escolher ter uma relação, que condições esta deve ter para durar, se têm ou não filhos ou se investirem mais na carreira.
Mas se, por um lado, estas conquistas trouxeram mais-valias na relação homem/mulher, por outro também potenciaram a insegurança e o medo de perder o outro.
Atualmente são as pessoas que afirmam não conseguir lidar com a perda que mais facilmente se mostram ciumentas. Por oposição, aqueles que aceitam que existe sempre a possibilidade de perdermos aquilo que consideramos precioso e que sabem que tudo é efémero, que tendem a tirar melhor partido daquilo que vivem no presente: valorizam a relação, minoram as dificuldades, trabalham em equipa e aprendem com os outros.