Todos procuramos ser felizes e, no entanto, raramente atingimos aquilo a que chamamos felicidade. Porque será este um objetivo raramente conseguido? Será a felicidade uma experiência tão complexa ou estranha que só é acessível a seres excecionais? E quando acedemos a ela, somos capazes de a reconhecer?
Aparentemente não existe uma definição universal de felicidade. Cada um é feliz à sua maneira, de acordo com as suas aspirações, necessidades e dificuldades. Assim, por exemplo, para aqueles que ficaram sozinhos, a felicidade pode passar por encontrar um companheiro que preencha mais ou menos as suas expectativas. Outras pessoas pensam que não teriam dificuldade em atingir a felicidade se ganhassem o euromilhões.
A nossa definição de felicidade pode mesmo mudar consoante as situações: quando somos atingidos por uma doença, parece-nos que a felicidade passa pelo bem-estar relativo em que nos encontrávamos antes, mas quando nos sentimos profundamente cansados uma boa cama seria o suficiente para nos tornar felizes.
Por toda esta relatividade, não é de espantar que seja tão difícil perceber quando atingimos a felicidade: é impossível defini-la de modo absoluto e verdadeiro para todos. Não há um padrão.
Cumprir. A felicidade não é de facto uma realidade estática, pois os seus conceitos e definições são bastante numerosos e variados. Este estado de alma não é de beatitude aprazível, durável no tempo ou uma satisfação total e definitiva. É sim uma experiência em que proliferam sentimentos e emoções, com uma forte intensidade e de sinal positivo. É algo intrinsecamente vivido, e como tal mutável. Mais detalhadamente, a felicidade depende da satisfação das nossas necessidades mais importantes. Mas como estas mudam continuamente, a experiência que procuramos é sempre diferente daquela que aconteceu na vez anterior.
Ainda, a felicidade não aparece de forma gratuita nem cai do céu: ela ganha-se e merece-se. O sentimento de ter cumprido algo de importante a que nos propusemos, é uma das facetas fundamentais da sensação de felicidade, pois contribui em muito para uma autoestima saudável.
Pessimismo. No final do século XIX, Freud denominou de expectativa angustiada a tendência de que a partir de um facto esperarmos sempre o pior. Entre várias situações, referiu o de uma mulher que sempre que o marido tossia, imediatamente pensava e agia como se este estivesse em vias de contrair uma pneumonia fatal. No entanto, salientou que nestes casos este tipo de angústia ultrapassava a simples tendência para o pessimismo plausível.
Encontramos com frequência pessoas que ultrapassam estes limites e que desenvolvem uma neurose marcada pela incapacidade para ver o lado bom das coisas. É como se para estas pessoas o ambiente externo fosse uma projeção daquilo que está dentro de si. Desta forma, o mundo passa a ser percebido como mau e ameaçador, enquanto que a pessoa se resguarda na posição de vítima.
Esta posição traz, aparentemente, algumas vantagens: atrai atenções, permite que adoptemos uma posição mais infantil caracterizada pela dependência, pelo desamparo e pela necessidade de cuidados dos outros.
É possível que a nossa tendência para competir na desgraça seja, no fundo, uma espécie de disputa pelo lugar de vítima, de incapaz e de impotente para assumir a responsabilidade pela própria vida. Obviamente é mais fácil atribuir as culpas dos nossos males a causas externas do que admitir a nossa simples incapacidade ou apenas falta de vontade.
Insatisfação. Para algumas pessoas, parece não haver escolha. As suas experiências de vida, a impossibilidade de desenvolver uma boa autoestima, o vazio que se criou, fazem de algumas delas pessoas constantemente insatisfeitas consigo e com os outros, ainda que o grau de exigência para si e para os outros seja sempre demasiado elevado.
Se observarmos com atenção aqueles que nos rodeiam, para não falar de nós próprios, existe, igualmente uma grande dificuldade em aceitar o que é bom. Muitos são aqueles que não conseguem aceitar um elogio, receber um presente sem sentir estranheza, sem saber como reagir. Experimentam um certo desconforto, como se as coisas boas apenas estivessem ao alcance dos outros. As questões da autoestima, do mérito, as dúvidas quanto ao ser ou não ser verdadeiramente amado e aceite, são as variáveis que fazem pender o nosso julgamento para uma visão mais ou menos favorável. Por outro lado, não podemos esquecer o factor cultural que enfatiza a ideia de que temos que ser bons para merecer coisas boas, como se a felicidade fosse algo exclusivamente exterior. E como temos consciência de que não somos perfeitos, acabamos por cultivar uma crença interna de que não merecemos o bom que nos acontece.
A verdade é que todos ambicionamos saúde, realização pessoal ou harmonia familiar. A dúvida é se não boicotamos com frequência a nossa vida baseados em crenças infundadas ou no medo de sermos felizes, por não sabermos o que fazer com este sentimento que achamos desconhecer. Correndo o risco de estar a recorrer a um cliché, está quase tudo dito na expressão “a felicidade não se compra no supermercado, mas cultiva-se no jardim”.