Os casais que sofrem por não conseguirem ter filhos dificilmente conseguem falar disso com outras pessoas. O problema é muitas vezes vivido apenas a dois, mas deve ser partilhado para não se tornar um sofrimento ainda maior.
Até há pouco tempo, se um casal não tinha filhos, a causa era imediatamente atribuída à mulher e raros eram os casos em que a possibilidade de existir, também, um factor masculino era equacionada. Actualmente, as perturbações da fertilidade são encaradas como um problema de casal e não apenas da mulher, um problema que precisa ser vivido a dois.
Decisão. Para a maior parte dos casais, a decisão de ter filhos marca o início de um período que se caracteriza por excitação, intimidade e alegria. Depois de a mulher engravidar, o casal anunciaa notícia à família e aos amigos e prepara-se emocionalmente para o nascimento. Para estes casais, conceber um filho é um processo natural que culmina na concretização de um sonho! Já para os que têm perturbações de fertilidade, a decisão de formar uma família marca o início de um período difícil e doloroso.
Os casais inférteis submetem a sua vida ao stress causado por gráficos de temperatura, consultas, medicação, cirurgias e até relações sexuais com dia e hora marcados. Se, e quando, a gravidez ocorre, o casal tem tendência para viver esse momento com uma alegria cautelosa. Não há a notícia para família e nem para os amigos e mais do que preocupados em preparar a chegada do bebé, ambos estão interessados num projecto a curto prazo que é a manutenção de uma gravidez muito frágil.
A notícia da infertilidade é vivida de modo diferente de sujeito para sujeito. Varia consoante o sexo, a personalidade, a cultura em que está inserido, a sua história pessoal e familiar e, claro, varia de acordo com a importância de que esse filho se reveste. Estudos clínicos permitiram identificar padrões típicos de resposta à infertilidade que diferem de forma no homem, na mulher e no casal, como um todo. Não subestimar estas diferenças constitui uma melhoria na vivência subjectiva e nos resultados obtidos numa intervenção clínica.
No feminino. Para as mulheres, mais do que para os homens, o stress da infertilidade resulta numa baixa da auto-estima e bem- estar geral. As mulheres têm tendência a apresentar o mesmo nível de perturbação, quer a causa da infertilidade seja sua ou do seu cônjuge. O ciclo menstrual despoleta padrões emocionais característicos quando a mulher tenta engravidar e cada ciclo é vivido com a antecipação de sucesso.
Se a gravidez não acontece, a mulher é invadida por desapontamento, depressão e desespero. Há medida que o ciclo se vai repetindo, experimenta cada vez mais tristeza, o que a pode desgastar e impedir o comportamento dirigido à fertilidade.
Com os repetidos insucessos de fertilidade, as perdas sucessivas tendem a aumentar a tristeza (depressão) e os medos (ansiedade), que podem tomar a forma de perda da relação, real ou imaginária, perda de saúde, autoconfiança e esperança.
Uma sensação de despersonalização ocorre com frequência com a utilização de tecnologias reprodutivas que não recorrem ao coito. Algumas mulheres podem sentir-se menos femininas e preocuparem-se com o desapontamento que julgam provocar nos outros, particularmente no marido ou nos pais.
Se, após algumas tentativas, a gravidez não acontece, a mulher tem que redefinir o seu papel de adulta, fazer o luto da esperança perdida do seu filho biológico e decidir se adopta uma criança ou integra a sua condição de adulto sem filhos.
No masculino. No homem, geralmente só após três insucessos de fertilidade é que ele começa a manifestar o mesmo nível de perturbação emocional que a sua mulher. A antiga ideia de que a infertilidade se devia sempre à mulher teve consequências na reacção comportamental do homem perante a experiência da infertilidade e no modo como participa na investigação e tratamento.
Quando o homem é diagnosticado com este problema, a sua perturbação sobrepõe-se à da mulher, apresentando o mesmo tipo de sentimentos, em termos de estigmatização, percepção de perda e desafio à auto-estima. A vergonha é uma das respostas que aparece naturalmente.
A perturbação emocional para um homem infértil é maior quando carrega o diagnóstico e se sente responsável por ele. Além de viver o drama de ser infértil, o homem vive ainda o drama de “privar” a sua companheira do filho desejado. Contrariamente, no homem fértil pode existir um sentimento de revolta contra sua mulher infértil, sentindo-a como um obstáculo para o seu papel de continuador do nome de família. Pode mesmo ter fantasias de esperar estar com outra mulher de fertilidade conhecida. Estes sentimentos podem desencadear sentimentos de culpa, ainda que raramente expressos.
Em casal. As reacções do casal face à infertilidade são as mais diversas e nesta fase quase tudo pode acontecer. Se a questão levanta problemas psicológicos, sociais e culturais, também o faz, necessariamente, ao nível da relação. A infertilidade é vivida como uma crise de vida, por vezes bastante complexa, e confronta o casal com situações difíceis de gerir. Origina frequentemente comportamentos e reacções que muitas vezes são inesperados para qualquer um dos membros do casal. Aparece o choque, a surpresa, a descrença, a frustração, a raiva, o sentimento de perda de controlo, o isolamento, os sentimentos de culpa, a vergonha e finalmente a dor.
Alguns casais lidam com a infertilidade aumentando o conflito e o distanciamento, o que pode ameaçar a continuidade da relação e aumentar o isolamento do parceiro, que sente a dor e o desapontamento. Por sua vez, também a sexualidade sofre com o apertado calendário da intervenção na infertilidade. Integrar na vida sexual a medição das temperaturas e as perdas das ovulações deixa pouco espaço para a espontaneidade. Muitos casais têm dificuldade em fazer a transição para um regime rígido de relacionamento sexual determinado pela ovulação. Tanto o desejo como a qualidade podem sofrer durante o ciclo. Alguns homens desenvolvem nestas situações uma disfunção eréctil no meio do ciclo, dificuldades ejaculatórias e alterações na frequência do relacionamento e desejo sexual.
A sexualidade da mulher também pode ser significativamente afectada pela infertilidade. Mais de metade experimenta uma quebra na frequência do relacionamento e da satisfação sexual após o diagnóstico de perturbação da fertilidade. Por sua vez a disfunção eréctil, vaginismo, dispareunia e falta de frequência no relacionamento sexual devido a falta de desejo podem contribuir directamente para a infertilidade.
Procurar ajuda. As razões por que duas pessoas se juntam inicialmente são os sentimentos, o amor e o desejo de partilha que sentem. Essa é a principal razão e os filhos são um complemento dessa felicidade. O pedido de ajuda a um profissional qualificado para atender o casal tem-se mostrado importante em casos de infertilidade, na medida em que podem ser atenuados os conflitos e o stress resultante de todas estas vivências, criando-se condições que favorecem a fertilidade do ponto de vista psicológico.