O tédio parece chato ao princípio, mas,
caso leve a um saudável desespero,
acaba sempre por ser fértil e criativo.
Miguel Esteves Cardoso
Aviso:
Este texto não se destina aos muitos portugueses que não estão de todo entediados na medida em que se encontram extraordinariamente ocupados, desempenhando a sua profissão no local de trabalho, em teletrabalho ou lidando com crianças, parentes ou daqueles que mais necessitam. Para estes o meu respeito!
Estar fechado em casa é aborrecido e leva a que se instale uma sensação de tédio. E o tédio pode ser avassalador. Os minutos não passam, vemos e revemos os mesmos canais e séries, lemos os infindáveis posts sobre os mesmos temas nas redes sociais, sempre com a certeza de que há qualquer outra coisa mais interessante que poderíamos ou deveríamos estar a fazer.
O tédio surge quando temos um determinado nível de energia que não conseguimos direcionar. Pode acontecer também por falta de estímulo e satisfação naquilo que estamos a fazer. Esta situação em que os encontramos, coloca-nos precisamente o desafio de encontrar uma forma de gastar essa energia e oportunidade de o fazer com significado.
Donde vêm essa energia?
Muitos de nós vamos experimentar um aumento de ansiedade, que nos predispõe à ação. Quando não temos onde gastá-la, começamos a sentirmo-nos entediados e em vez de ficarmos satisfeitos e relaxados ao assistir àquela série há tanto desejada, estamos inquietos e desconfortáveis.
Um outro fator desencadeador do tédio, é a sensação de falta de controle. Quando não gostamos ou não estamos interessados numa tarefa, mudamos, fazemos de forma diferente, ou fazemos outra coisa. Se estamos fartos de estar em casa, saímos para tomar um café, estar com amigos e voltamos revigorados e motivados para retomar a tarefa. Agora não é possível e esta falta de liberdade e controle, promove o tédio.
É como alguém me dizia: “Estou sem rumo, apenas à espera que o distanciamento físico termine”.
Mas ainda que o tédio seja muito desconfortável, não tem que ser totalmente negativo. As pessoas entediadas podem optar por sentar-se no sofá e acabar de uma vez com um pacote de batatas fritas, mas também podem ser extremamente produtivas, como Isaac Newton que, durante a quarentena imposta pela grande praga de Londres, em 1665, utilizou o tempo de isolamento para descobrir o cálculo e a gravidade.
O tédio tem uma função adaptativa para os seres vivos. Assinala-nos que estamos a deixar ir o controle sobre as nossas vidas e empurra-nos para a ação.
Então como combater o tédio?
Aceite o tédio
Parte do desconforto do tédio sempre existiu, mas estava camuflado pelo ritmo quotidiano em que o valor pessoal era medido pela produtividade.
A paragem obrigatória leva a que muitas pessoas questionem os processos rotineiros e, na ausência deles, sobra o tempo e a falta de sentido.
Contudo, quando o nosso cérebro está “aborrecido”, dedica-se a encontrar novas conexões neuronais, gerar ideias, fazer planos, torna-se criativo.
Encontre o seu ritmo
As rotinas estruturam os nossos dias e dão-nos um sentimento de coerência que potencia o propósito da nossa vida. Agora que a rotina do quotidiano, que nos obrigava a deslocar para o trabalho/escola, que era uma das mais significantes para a nossa identidade social, desapareceu, abriu-se o espaço para o tédio, a menos que outras rotinas igualmente estruturantes sejam adotadas.
Experimente algo novo
O tédio empurra muitos de nós para a necessidade de algo novo. Aproveitar esse impulso para aprender uma receita, uma atividade, uma competência, não só ajuda a curto prazo como se torna numa mais-valia para o futuro e contribuiu para um sentimento de auto-satisfação.
Deixe-se levar
A necessidade de encontrar atividades suficientemente desafiantes é difícil. Tenha em mente que o que encontre para fazer como interessante de manhã pode deixar de sê-lo ao longo do dia, ou das semanas que passam. Não se mantenha nessa atividade se sentir que precisa de uma pausa, mesmo que a pressão social assim o imponha.
Viva sem culpa os momentos de lazer
Ao ficarmos sem fazer nada, parece que desperdiçamos o tempo que até aí, mesmo no lazer, foi ocupado por imensas atividades. A modernidade tornou-nos dependentes dos momentos únicos e singulares que impedem que o tédio se instale com a intensidade da novidade constante.
Não há problema em consumir séries dos canais de streaming se for tudo o que consegue fazer no momento. Se tem prazer em dedicar-se a nada, aceite esses momentos como o seu reset mental para o que se segue.
Recorde porque estamos em casa
Precisamos de atribuir sentido ao “não fazer nada”.
Tal como a emoção, o tédio é influenciado por aquele que é o nosso pensamento do momento. Ou seja, ficar em casa só tem sentido quando pensamos ativamente no bem maior que implica. Reenquadrar a forma como pensamos acerca do que fazemos muda o nosso sentir.
Ficar em casa é a forma mais eficaz de conter a transmissão do vírus, é o meu superpoder.