Os anos 70 e 80 caracterizaram-se pela procura de independência e autonomia dos jovens perante os seus pais. Hoje, no entanto, muitos jovens adultos não vivem como os pais. Vivem com eles.
Ao contrário do que se passou há algumas décadas, encontramos hoje jovens adultos na casa dos 25, 30 anos, solteiros a viver em casa dos pais e sem pressa de lá sair. Esta nova situação passou a vigorar de forma natural a partir do momento em que os sonhos, objectivos e anseios de independência tradicionais dos jovens — que passam por conquistar autonomia financeira, ter casa própria, casar e ter filhos — deixaram de ter a importância de antes. Assim, o que parecia estranho há 4o anos atrás — jovens adultos com mais de 25 anos a viver com os pais — é hoje culturalmente aceite. O crescente número de divórcios também contribui para esta realidade, uma vez que o cônjuge que fica sem a custódia dos filhos e sem a casa da família tende a regressar ao lar dos seus pais.
A casa dos pais. A liberdade dos actuais jovens adultos, filhos dos “aventureiros” das gerações de 70 e 80, é encontrada na privacidade do seu quarto. Não têm pressa em deixar, qual canguru bebé, a bolsa marsupial da mãe, o que lhes permite ter casa, comida, roupa lavada e a possibilidade de juntar algum dinheiro. Mas se o dinheiro permite ter uma qualidade de vida melhor, o pleno desfrute das possibilidades de viajar e de lazer também pode ser a razão da permanência em casa dos pais.
Na verdade é cada vez mais difícil nos dias de hoje um jovem assumir a responsabilidade de comprar um apartamento ou criar uma família. Mas será este fenómeno — genericamente aceite como “geração canguru” — consequência da conjectura económica ou apenas a resistência em assumir as responsabilidades da vida adulta independente? E que papel têm os pais nesta dinâmica?
O papel dos pais. No que diz respeito aos pais, enquanto uns não vêem o momento de usufruírem do seu espaço, do seu tempo e das suas reformas, desfrutando da possibilidade de deixarem de ser pais para passarem a ser avós, outros parecem acentuar as dificuldades da vida “lá fora” e tirar partido da permanência dos filhos em casa. Para estes pais, o conflito de gerações já não faz sentido. Ao permitirem esta liberdade confortável, coisa que muitos não tiveram no seu tempo, nada cobram em troca da boa companhia e da possibilidade de evoluírem em permanente contacto com os filhos.
O divórcio ou a morte de um dos progenitores, especialmente no caso das mulheres mães, pode promover a manutenção dos filhos em casa. É uma forma de preencher o vazio, de continuar a dar um sentido à vida, sem que tal implique envolverem-se em novas relações, com todas as dificuldades e decepções que implica iniciar uma nova vida com outro homem, por exemplo. Estas mulheres são geralmente jovens, pois também era comum a geração de 70, 80 serem pais muito cedo, saudáveis e autónomas, constituindo-se num importante e eficaz apoio para os filhos.
Perfil. O estilo canguru parece predominar na classe média e no género masculino, em jovens adultos com idades compreendidas entre 25 e 35 anos, solteiros ou divorciados . São geralmente profissionais bem sucedidos, com autonomia financeira, mas que têm dificuldade em enfrentar a vida sem a companhia de uma mulher. Culturalmente são o fruto de uma educação super protectora, com pais empenhados em dar-lhes o melhor.
Por sua vez, uma explicação possível para a existência de menos mulheres nestas condições reside na necessidade que têm de continuar a terem que lutar pela definição do seu espaço na sociedade, tanto a nível pessoal como profissional, o que apesar de ainda ser sentido como uma diferença negativa tem permitido, na verdade, um crescimento individual e emocional que as torna mais independentes. O regresso a casa dos pais após um divórcio pode nem sempre estar relacionado com questões financeiras. Se muitas vezes o pretexto encontrado para que isso aconteça é de ordem financeira, na realidade o aconchego parental pode ser um bom meio de lidar com a baixa auto-estima, a frustração e o medo de encarar novas relações, sentimentos comuns após o divórcio. É como se houvesse um retorno ao estado da adolescência sem os incómodos da falta de autonomia. O mimo e as atenções estão lá, mas já não há o controlo apertado.
Desafio. Contudo, o cenário nem sempre é tão agradável. Muitos pais vêem-se na contingência de receber novamente os seus filhos, ainda que tal decisão esteja cheia de contrariedades e compromissos de ambas as partes. O retorno a casa vem interromper um momento do ciclo de vida familiar em que normalmente os pais têm novamente a oportunidade de se organizar em função de outras prioridades. Desta forma são novamente puxados para uma situação em que as tarefas domésticas redobram, a intimidade é alterada, os conflitos de proximidade reaparecem e o jogo entre os sentimentos de culpa e a realidade de serem a única alternativa para os filhos muitas vezes abre feridas antigas entre o casal e mesmo entre pais e filhos.
Se por um lado a sociedade acolheu bem a geração canguru, por outro há que saber onde termina a linha ténue que separa os jovens adultos promissores daqueles que sofrem da síndrome de Peter Pan — que se traduz no medo de crescer e encarar os desafios da vida. O corte do cordão umbilical, que antes era feito de forma brusca, ocorre hoje de modo progressivo. Há diferença entre quem já passou dos 3o e ainda mora com os pais, mostrando dificuldade em planear e executar projectos pessoais e sabotando a sua vida afectiva e profissional, e quem continua a investir no futuro, acumulando conquistas, estabelecendo metas e acabando por deixar a casa dos pais.
De qualquer forma, o maior desafio é preparar os filhos para os lançar no mundo, procurando providenciar uma educação voltada para autonomia, liberdade, responsabilidade e crescimento emocional, para que a adolescência não se estenda para além do necessário. Até os cangurus acabam por deixar a bolsa marsupial ao fim de um ano