A vergonha, a solidão e o risco das doenças sexualmente transmissíveis crónicas (DSTC) pode afectar a nossa auto-estima e a nossa relação com os outros. Mas este tipo de doença é mais vulgar do que se pensa e não representa nenhum comportamento leviano.
A descoberta de que somos portadores de uma doença sexualmente transmissível crónica (DSTC) provoca, frequentemente, um impacto importante na nossa auto-estima, levando-nos a experimentar sentimentos de vergonha muitas vezes associados a uma imagem corporal negativa. Pela sua gravidade e risco de vida, não referirei o contágio pelo HIV, ainda que seja, como se sabe, uma das mais sérias DSTC.
As DSTC são o Herpes Genital, o Vírus de Papiloma Humano (VPH), situações que não pondo em risco a vida daqueles que delas são portadores, comprometem a sua saúde e em particular contém o permanente risco de contágio.
A depressão reactiva, bem como o medo da rejeição por terceiros, parceiros actuais ou futuros, são reacções esperadas nas pessoas a quem estas situações são diagnosticadas.
Há algum tempo atrás tive a oportunidade de trabalhar em psicoterapia com uma jovem mulher portadora de DSTC. O relato da sua primeira reacção ao diagnóstico dava conta de uma vergonha intensa, depressão e a ideia de que o seu corpo se tinha transformado. Recentemente saída de um casamento falhado, com um único companheiro sexual até então, tinha sido infectada pelo parceiro da actual relação, também ela problemática e em vias de extinção. Sentia-se usada, suja.
Embora desagradável, esta é uma reacção normal e muitas das pessoas que procuram ajuda por esta razão sentem que a sua vida sexual acabou, situação vivida de forma trágica, especialmente se pensarmos que são os mais jovens que têm uma vida sexual mais activa. Eventualmente, a intensidade dos sentimentos associados a estas ideias acabará por se desvanecer e, como todos nós, também estas pessoas aprenderão a viver com as dificuldades que a vida muitas vezes nos apresenta. Mas podemos e devemos colaborar com o factor tempo. Para tal, temos que rejeitar uma postura de vítima passiva e assumir um papel activo, tomar o controlo sobre a doença, retomando o controlo das nossas vidas. A obtenção de informação correcta, útil e adequada à situação de cada um, acerca da doença, como ela pode afectar o nosso corpo, pode ser muito útil no retomar de uma vida normal.
Conhecer a doença. Procurar saber as consequências da doença quer a nível médico quer a nível psicológico é uma forma eficaz de recuperar o sentimento de auto-estima perdida. Os mitos e preconceitos associados às DSTC contribuem para o aparecimento dos sentimentos de vergonha e, muitas vezes, o confronto com outros que possuem o mesmo grau de desconhecimento é mais uma forma de reforçar o nosso mal-estar. Um mito muito comum refere que as pessoas infectadas por uma DSTC têm hábitos sexuais promíscuos e são frequentadoras de locais ou pessoas, no mínimo, duvidosos. Infelizmente, esta ideia não podia estar mais longe da verdade. Estima-se que actualmente existem 24 milhões de pessoas diagnosticadas com VPH e mais de 4o milhões são portadoras de Herpes genital.
Adquirir conhecimentos acerca da forma como lidar com a doença também ajuda a readquirir o controlo sobre o seu corpo. A visita ao médico Ginecologista/Urologista é imprescindível.
A um nível mais íntimo, a observação do próprio corpo, o reconhecimento dos sinais que indicam a actividade do vírus pode aumentar o sentimento de controlo sobre a doença, e facilitar a aceitação das alterações na imagem corporal. O stress tem sido muitas vezes apontado como um factor que contribui para o desencadear de uma crise, bem como o período menstrual, a falta de exercício e uma nutrição pobre.
Tendo em conta estas informações, o momento em que se desencadeiam as crises, e pensando retrospectivamente no que se passou antes, pode ajudar a controlar ou pelo menos contribuir para o não aparecimento de outra crise.
A observação dos genitais pode ser também uma forma de adequar a realidade às ideias que temos sobre a forma como a doença se apresenta, a sua intensidade em determinado momento e com isso ajustar os comportamentos que evitem a transmissão a terceiros.
Muitas pessoas, quando estão saudáveis, não se sentem confortáveis com ideia de examinar os seus próprios genitais, acto que se complica um pouco mais quando o que esperam encontrar são formações desagradáveis como bolhas ou verrugas. No caso do homem, por razões que se prendem com a sua anatomia, essa observação é mais fácil.
Os genitais da mulher estão mais escondidos e são de mais difícil observação. Este facto leva a que seja necessário um maior envolvimento e capacidade de adaptação por parte da mulher.
Segredo. Tudo parece fácil dito desta forma. Mas nem todos temos a mesma força interior para iniciar e aceitar as consequências destas observações. Muitos estudos têm demonstrado que o suporte social é benéfico. Este pode ser obtido junto de um(a) amigo(a), de uma consulta de psicologia. Especialmente benéfico parece ser o suporte encontrado junto de alguém com quem exista uma relação emocional ou amorosa importante. O segredo pode ser o nosso pior inimigo, mesmo quando o receio da rejeição é muito forte. No entanto, precisamos de aprender a aceitar a rejeição de um(a) parceiro(a) potencial sem que isso signifique necessariamente que, globalmente, não prestamos como pessoas.
Quando acontece estarmos envolvidos numa relação emocional importante, mais uma vez o elemento chave reside na forma e capacidade de comunicar com o outro. Todos temos dificuldade em partilhar áreas da nossa vida que consideramos extremamente íntimas, quase impossíveis de pôr em palavras. Como partilhar com aquele(a) que amamos algo com que ele(a) terá de conviver emocional e fisicamente? E como responder à dúvida de quem contagiou quem?
São situações muito difíceis mas, se a relação de casal for suficientemente próxima, baseada na confiança, o diálogo pode ser uma forma eficaz de enfrentar a crise, se for conduzido com sensibilidade e bom senso, baseado em factos e alguma informação preliminar que permita ao outro encontrar eco para as suas dúvidas.
Choque inicial. Ainda assim, é natural que o casal atravesse um período de choque inicial seguido de um reajustamento à nova realidade. Contudo, vencer a crise e prosseguir a relação, ou optar pela separação parecem opções saudáveis, já a impossibilidade (incapacidade) de enfrentar o problema, arrastando a crise de confiança, empolando outros conflitos normais num casal pode aconselhar a procura de um profissional capaz de ajudar a desbloquear e facilitar a necessidade de diálogo.
A capacidade de darmos tempo ao tempo e a nós mesmos deve estar sempre presente. Levamos uma vida inteira a construir e a adaptarmo-nos a uma imagem corporal. Construirmos uma nova é um processo lento e precisa da contribuição de um estado de alma positivo acerca de nós próprios.
A ideia chave a reter é a de que não devemos aceitar ser vítimas passivas deixando que a doença controle a nossa vida, mas tenhamos uma atitude activa e enérgica na compreensão e conhecimento do que pode ser feito.