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Casais sem Filhos por Opção

Numa época em que cada vez mais ouvimos falar no aumento da infertilidade feminina e masculina, nos avanços tecnológicos que permitem à medicina ter cada vez mais respostas para este problema, pode parecer estranho falar de casais que optam por não ter filhos.

Contudo, a decisão de não ter fi­lhos não é um fenómeno recente nem uma questão pacífica no seio de uma relação. Muito se tem fa­lado na Europa acerca do envelhe­cimento populacional, que parece ser um dos factores que nos tem le­vado a questionar fortemente as políticas dos diversos países no que se refere às formas tradicio­nais de apoio na velhice e na doen­ça. Os argumentos utilizados por ambas as partes, casais com e sem filhos por opção, parecem conter uma lógica inabalável, que nos le­va a dizer que ambos têm razão. Talvez a resposta esteja na com­preensão destes argumentos e no respeito pelas escolhas conscien­ciosas de cada um.

As razões. “Não se trata de fa­zer a apologia da não materni­dade, mas seria um erro deixar de considerar a possibilidade de nos ser difícil suportar a ideia de que quando o nosso filho deu os primeiros passos não foi para os nossos braços, ou nos momentos mais importantes não estivemos, lá.” Este é um dos argumentos fre­quentemente encontrados para justificar a opção de alguns casais para não serem pais. Poucas pesso­as compreendem porque alguém escolheria não ter filhos. Trata- se, contudo, de uma opção cada vez mais comum e, como é natu­ral, não reflete nada de anormal nessas pessoas.

Numa sociedade marcada pela educação judaico-cristã, o pro­pósito da união dos seres seria o da procriação. Casava-se para ter filhos e quando tal não aconte­cia algo de muito errado se passa­va, geralmente relacionado com infertilidade imputada às mulheres. Muitas ca­beças rolaram, impérios caíram, a própria Europa foi vezes sem conta redesenhada por casamentos estéreis ou sem varão. A Ingla­terra optou mesmo por uma no­va religião que permitisse ao seu rei casar pela igreja, até aí a última instância capaz de sancionar um casamento. Assim se percebe que predomine a crença de que um ca­sal sem filhos não seja um casal completo.

Por opção. A realidade impõe-se e as antigas crenças são desafiadas, nomeadamente pelo crescente nú­mero de casais que escolheram vi­ver sem filhos. Nos EUA, já em 1975, um em cada dez casais não tinha filhos. Atualmente, pensa-se que cerca de um em cada cinco não te­nham filhos por opção. Mas se as dúvidas relativamente a estas op­ções já são antigas, a nova realida­de também nos obriga a aceitar novas respostas. Se estes casais ainda sentem alguma agressividade ou incompreensão pela sua escolha, tal deve-se ao facto de que a sociedade muda mais lentamen­te do que os indivíduos, e aqueles que voluntariamente optaram por não ter filhos são muitas vezes visto como anormais, culpados, ego­ístas e deixados de fora de muitas atividades.

Escolher não ter filhos, no entan­to, pode ser uma decisão saudável. Geralmente é uma escolha longa­mente ponderada e discutida no seio do casal e reflete um verda­deiro desejo, não existindo nada de errado para quem escolhe es­te estilo de vida. Com frequência, se os elementos do casal não con­seguem estar de acordo sobre este assunto, geralmente ocorre uma separação. São opções de fundo e que mudam a vida de uma pessoa para sempre. Passado o tempo de procriação de uma mulher, o ca­sal poderá sempre experimentar ser pai através da adopção, mas dificilmente serão os pais natu­rais de uma criança.

Estilo de vida. Muitas são as ra­zões que levam os casais a não te­rem filhos, o que pode abranger desde opções religiosas ou ide­ológicas até a um estilo de vida. Por um lado existe uma realidade sociológica que leva a poder esco­lher. Escolher, porque a medicina nos permite controlar a natalida­de e porque a sociedade promove valores que acentuam a liberdade individual na escolha de estilos de vida. Por outro lado, a consciência que o investimento numa carreira é muitas vezes incompatível com a noção de pais que estes casais gos­tariam de ser leva-os a optar pela satisfação profissional.

Ainda, e talvez o mais importante, é o sentimento que estes casais ex­pressam de não precisarem de um filho para se sentirem completos ou encontrarem o seu objectivo na vida. Muitos, pura e simplesmente não desejam ser pais. Todos temos esse instinto? Talvez, mas a nossa condição de seres pensantes per­mite-nos ir para além dele e fazer opções distintas.

Partilhar o tempo. Outros ca­sais sentem uma vontade enor­me de continuar a razão que os levou a juntarem-se: partilhar o tempo. Sem as responsabilida­des inerentes aos filhos, estes ca­sais têm mais energia e tempo pa­ra se dedicarem a uma variedade de coisas que gostam de fazer em comum. Viajar costuma ser opção mais vulgar.

A lista não tem fim, mas pode in­cluir a carreira profissional, a me­lhoria da educação própria, o de­senvolvimento e manutenção de amizades, o envolvimento to­tal em atividades para além das profissionais, a procura de um maior desenvolvimento pessoal, maior liberdade e segurança financeiras.

A decisão de não ter filhos, por parte de um casal, vai ser segura­mente questionada. Primeiro pe­la família, que esperava um neto, um herdeiro, um continuador do nome de família, depois por ami­gos e colegas. E nos momentos em que a culpa os assalta, devem lem­brar-se que esta decisão se baseou no desafio de manter vivo, ao longo dos anos, o interesse mútuo em cada um e em atividades conjuntas, mas também num bom equilíbrio entre a partilha e a individualida­de de cada um, de tal forma que ambos sejam um casal sem que um se funda no outro. Também a atitude perante a velhice é nor­malmente equacionada de forma diferente, na medida em que, pa­ra além dos amigos, se não existi­rem outros familiares, os dois ele­mentos do casal apenas contam um com o outro, o que em geral os leva a adoptar estilos de vida mais saudáveis, em que mesmo o stress profissional é compensado com outras atividades.

Para pensar. Ainda assim, e sempre que as dúvidas nos assal­tarem, devemos colocar-nos ques­tões como: O que procuramos ob­ter da experiência de sermos pais? O que é para nós uma vida com sig­nificado? Como é que uma criança cabe nessa concepção?

Optar por não ter filhos é um as­sunto polémico e geralmente dis­cutido com emoção. São vários os sitios da Internet que debatem es­tes assuntos. Em 1997, Korasick, uma mulher de 32 anos casada com um homem de 30 anos criou o Child Free Website para se ligar a outros como ela: casais que não querem ser pais. Ao fim de alguns dias, Korasik foi inundada com e­mails de agradecimento por ou­tros casais na mesma situação, que encontraram eco e um espa­ço para partilharem as suas ex­periências. Atualmente existem muitos sites dedicados a casais sem filhos por opção, que, inclu­sive, organizam atividades para confraternização.

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Sim, podemos desligá-lo

Quando, em 1876, Alexander Graham Bell usou a sua mais recente engenhoca para chamar o assistente do último andar da estalagem em Boston, não sonhava o desenvolvimento ou a importância que tal descoberta viria a ter nos dias de hoje.

O telefone tornou-se o companheiro fiel das mulheres, adolescentes e profissionais. Chega a ser utilizado como um terapeuta, um confidente e até uma arma contra o aborrecimento ou a insegurança. Na sua versão mais moderna, o telemóvel fica mais complexo a cada novo lançamento, enquanto as suas funções e a sua influência na vida moderna aumentam a uma velocidade vertiginosa. Se há poucos anos este aparelho era considerado um sinal exterior de riqueza e de status, hoje é quase indispensável na vida pessoal e profissional de cada um de nós, transformando- se em pouco tempo numa necessidade quase básica.

Atualmente é uma visão vulgar, normal e aceitável o comportamento de pessoas gesticulando, parecendo que falam sozinhas, quando usam o auricular, enquanto conduzem ou andam na rua. Da mesma forma que também é vulgar encontrar um grupo de amigos reunidos num jantar ou à volta de uma mesa sendo que alguns deles estão entretidos em conversas distintas através dos seus aparelhos, ou fixados nos ecrãs dedilhando mensagens ou navegando no mundo da net. A dependência com os telemóveis é quase patológica, ou como diz o escritor italiano, Umberto Eco, estes tornaram-se numa “extensão das mãos”.

Ao telemóvel com os pais. Grande parte dos utilizadores dos telemóveis são crianças e adolescentes, apesar de o seu uso nem sempre estar relacionado com a sua principal função, que é a da comunicação, mas sim com a utilização de uma multiplicidade de características acessórias, como os jogos, as câmaras fotográficas e de filmar, as SMS’s, etc. No entanto, por vezes nem são os adolescentes ou as crianças que precisam por si só dos telemóveis, mas sim os seus pais: este aparelho consegue cumprir uma necessidade dos pais que é a de terem uma ama à distância, pois permite-lhes estar em contacto com os filhos sempre que precisem.

Esta parece ser uma das mais valias de tal aparelho, na medida em que aumentou a sensação de segurança daqueles que o possuem. O envio de um SOS ou apenas o pedido de prolongar a noite para além do combinado são facilidades únicas que o telemóvel proporciona.

No entanto, a facilidade e a impessoalidade de um contacto telefónico não promove a gestão/negociação de situações que necessitariam de uma conversa calma, face a face, com ambos os pais. Para não falar das famosas quebras de rede que permitem que o telefone não seja desligado, mas que impedem a continuação de uma conversa que não estava a agradar.

Dependência. Existe um desencontro entre os psicólogos e os utilizadores na forma de encarar tal instrumento. Se para os primeiros pode ser considerado a febre do século, já para os segundos é apenas uma necessidade muito premente.

É frequente sentirmo-nos completamente perdidos, quase isolados do mundo, como se mais nenhum outro meio de comunicação existisse, quando somos surpreendidos por uma bateria que acaba. Para alguns, e porque muitos destes aparelhos nos permitem guardar informações preciosas que vão desde a nossa agenda diária, agenda de contactos, entre outras coisas, o dia entra em stand by. Ficamos como loucos tentando encontrar uma forma de recuperar a nossa vida, recuperando a carga da bateria.

Um outro fenómeno associado aos telefones móveis, são as SMS’s. Milhões de mensagens são enviadas por ano, especialmente por adolescentes. Se estivermos atentos verificamos que a maioria deles adquire competências extraordinárias na utilização do teclado, que lhe permite escrever sem olhar, independentemente da marca do telefone, a velocidades alucinantes.

Nova linguagem. Esta nova tecnologia tem originado a organização de conferencias e debates acesos junto de linguistas, pois criou-se quase que um novo código linguístico próprio deste tipo de comunicação: “Kiduxo, hj keria mm star ctg. Xts sp cmgo.dec kk csa. Axu k gxto mt d ti perxebs. Bjs Sónia” (In”compreender os adolescentes”, Helena Fonseca). Tradução: “Queriducho, hoje queria mesmo estar contigo. Estás sempre comigo. Diz-me qualquer coisa. Acho que gosto muito de ti percebes. Beijos Sónia”.

Entre outras razões, nas quais se inclui um menor custo, a utilização das SMS’s permite ultrapassar situações de timidez e dificuldades na expressão adequada de sentimentos, tão características na idade da adolescência. Também os adultos já descobriram essa qualidade das SMS’s: quantas relações escondidas são alimentadas pelas mensagens escritas que permitem maior privacidade numa sala cheia de gente, em comparação com uma tradicional conversa telefónica.

Novos hábitos. Se por um lado os telemóveis aproximaram pessoas, facilitaram contactos, por outro alteraram e até prejudicaram algumas características únicas dos relacionamentos.

A incapacidade de adiar o prazer ou desprazer de comunicar uma notícia, boa ou má, parece ser uma das consequências. A facilidade com que pegamos num telemóvel para comunicar, por exemplo, uma situação desagradável, encurtou e não promove o tempo de reflexão necessário para que, muitas vezes o caminho até a casa ou a um local com um telefone fixo, permitiam e nos ajudava a estruturar uma conversa filtrando aquilo de facto precisava ser dito. Quantas vezes o telemóvel é usado para descarregar a nossa fúria, para alguns minutos depois nos darmos conta que teria sido mais proveitoso “dormir sobre o assunto”.

Verificamos com frequência que parece haver um alargamento da noção de intimidade. O onde e como falar de certos assuntos, parece ter sido esquecido, pois muitas vezes somos confrontados, em locais dos quais dificilmente nos podemos ausentar, como um transporte público ou uma sala de espera de consultório médico ou serviço público, com pessoas que utilizam esse tempo para falar daquilo que anteriormente só teríamos coragem de o fazer na privacidade da nossa casa, ou mesmo do nosso quarto. Esta violação da intimidade não é só para aqueles que estão envolvidos na conversa, mas também daqueles que têm de a ouvir. Curiosamente a primeira pergunta que surge numa chamada deste tipo, não é um cumprimento, o interesse pela saúde do interlocutor, mas “onde estás? “. Invariavelmente, mesmo que esta não seja uma informação pertinente para o desenrolar da conversa, esta questão vai surgir.

Como muitas coisas que são introduzidas a uma velocidade alucinante no nosso dia-a-dia do século XXI, o telemóvel tem aspectos positivos e negativos e outros aos quais é necessário habituarmo-nos. A reflexão individual, para além das regras exteriores que já nos vão sendo impostas ajudar-nos-ão a tirar partido das vantagens, mantendo- nos atentos de forma critica, questionando-nos continuamente como queremos posicionarmo-nos perante tais melhoramentos

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Amizade entre homens e mulheres: é possível?

A crença antiga e ainda muito vulgar de que a amizade entre homens e mulheres não é possível provém do tempo em que os nossos antepassados tinham tarefas perfeitamente divididas: a mulher em casa e o homem no trabalho. A única maneira de poderem estar juntos era quando queriam iniciar um romance.

Atualmente, no entanto, homem e mulher trabalham e praticam desporto juntos e estão envolvidos desde cedo num processo de socialização que deixa espaço para desenvolver com sucesso uma amizade próxima e com cada vez mais boas razões para o fazer.

O que é a amizade? Comecemos por definir o que é amizade. Trata-se de um sentimento complexo que aparece sem aviso ou premeditação. Não conhece critérios de idade, de condição social ou de origem e é um misto de confiança, abandono, sensibilidade e amor desinteressado. A questão está em saber se esta genuinidade resiste numa relação entre um homem e uma mulher. Se um conjunto de pessoas responderia sem hesitar que não, outro diria ser perfeitamente possível. A maioria, porém, iria hesitar antes de responder num ou noutro sentido.

A verdade é que a sexualidade prejudica a amizade entre homens e mulheres. Quantas vezes um homem se contenta em manter-se apenas amigo quando o que deseja é ser amante?

De facto, é muito difícil lidar com uma proposta para mantermos apenas a amizade, até porque isso desencadeia sentimentos opostos. Tantos os homens como as mulheres podem sentir rejeição num primeiro momento, mas logo a seguir felicidade, justamente por compreenderem as vantagens de uma relação que não passa necessariamente pela cama. Quando tal acontece, já nada é como dantes. Curiosamente o inverso pode acontecer, ou seja, uma relação de amantes pode tornar-se numa relação de amigos.

Lidar com o desejo. O tema desejo é quase inevitável nas relações de amizade entre homens e mulheres. A questão é saber se queremos estragar ou modificar uma relação que até aí funcionou bem. Nesses momentos de particular tensão em que o desejo ganha força, a proximidade e o toque físico devem ser evitados, para que a distância permita tomar uma decisão sem comprometer a posição do outro. Como bons amigos, tal será compreendido como uma necessidade íntima a respeitar e não como um afastamento precipitado.

O contexto que uma amizade cria, e a forma pode ser partilhada no que respeita aos nossos amigos, filhos, pais e trabalho, não afasta nem permite negar a existência desta tensão sexual, mas ajuda a delimitar a intimidade de cada um. Acontece que estas amizades, tal como as que se desenvolvem entre pessoas do mesmo sexo, baseia-se na possibilidade de falar, ouvir, servir de suporte ao outro, de ser companheiro, de partilhar algo mais profundo do que uma relação sexual que provavelmente não teria futuro.

Que vantagens? Quando um homem e uma mulher mantêm urna relação de amizade, com frequência nos perguntamos que benefícios existem nessa relação. Será a sua função constituir um pilar afectivo baseado numa relação democrática e igualitária numa sociedade sem respostas nem certezas?

Na vida amorosa os sentimentos explodem como fogo de artifício, enquanto que na amizade são canalizados com paciência, limites e compreensão. Mas esta amizade exige renúncia e, por isso, precisa de acontecer entre dois seres emocionalmente maduros. Ao invés das amizades entre pessoas do mesmo sexo, esta beneficia de uma dualidade muito enriquecedora que se traduz em perspectivas diferentes, por vezes novas mas sempre complementares, que o outro tem sobre determinados assuntos.

Cumplicidade, estímulo intelectual e serenidade são razões que convidam a estabelecer uma relação de amizade com uma pessoa do sexo oposto. Mas por vezes essas razões podem dissimular perturbações de identidade ou revelar dificuldades de identificação em relação aos outros, uma vez que se trata de uma relação menos exigente do que o amor e que responde, na nossa época, ao medo de envolvimento.

Quase casais. “Ficar apenas amigos” significa menos compromissos. E estes “quase casais” são cada vez mais numerosos. Algumas ideias feministas sobre a independência das mulheres e certas tendências masculinas que privilegiam uma via individualista encorajam o seu aparecimento. Uma vez encontrado o amor desinteressado, não o devemos deixar partir. A amizade entre homens e mulheres segue o mesmo caminho da amizade entre pessoas do mesmo sexo, mas deve resistir aos caminhos da sedução e deslocar-se no sentido da conivência, confiança e suporte para poder sobreviver. Não pode ser um modelo universal a seguir, pois alimenta- se da particularidade de cada relação e responde a necessidades mais ou menos confessáveis.

Nasça antes ou depois de uma relação marcada pela sexualidade, antes ou depois de uma relação de casal, a amizade entre homens e mulheres é importante e preciosa num mundo pouco amigável e pobre em laços humanos.

Casamento

Casar com o Ex

Todos nós procuramos no nosso parceiro qualidades semelhantes às nossas, alguém que tenha interesses comuns e partilhe necessidades idênticas de independência, intimidade e poder. Uma vez feita essa escolha, iniciamos o namoro, um processo mais ou menos longo com características próprias – que tem como finalidade a construção de uma terceira identidade na relação resultante da passagem do “eu” para o “nós”.

Na fase inicial do namoro idealizamos planos, partilhamos sonhos e fazemos um esforço para ignorar as divergências e os aspectos menos positivos da pessoa que começamos a amar. E muitas vezes acalentamos a ideia de que, depois do casamento, a convivência e o amor irão transformar os aspectos menos positivos do outro.

Neste processo de transição do “eu” para o “nós” começamos também a aprender a delimitar fronteiras relativamente aos familiares e amigos, de tal forma que a construção da nova intimidade enquanto casal seja uma prioridade. Se o namoro corre bem, acabamos por nos decidir pelo casamento, ou seja, aceitamos que somos capazes de partilhar vinte e quatro horas do dia e comprometemo-nos a construir um casal, algo diferente da soma de duas pessoas.

Na vida de casal, como noutras coisas da nossa vida, podemos caracterizar períodos específicos que ocorrem com um certa periodicidade. Geralmente, os primeiros anos são aqueles em que o projeto que iniciámos com o namoro ainda nos faz muito sentido e, por isso, aceitamos bem a proximidade do outro, procurando partilhar tudo. No entanto, a nível individual trata-se de um período de conflitos e incertezas perante aquilo que julgamos ser a perda de alguma liberdade e o confronto com a necessidade de desviarmos os nossos interesses pessoais para outras áreas.

O nascimento do primeiro filho é um dos momentos de maior alegria, mas também de maior stress e tensão no casal. O aparecimento de um terceiro elemento tem consequências que podem abalar os alicerces de uma relação que ainda agora começou a ser desenvolvida.

Esta alteração obriga à redefinição de papéis. Deixamos de ser apenas marido e mulher para passarmos a ser pais.

A disponibilidade para nos conhecermos tem agora que ser partilhada com mais um elemento. Nesta fase gera-se igualmente um convite à reintrodução das famílias de origem e dos amigos que querem partilhar esta alegria, mas que simultaneamente são uma ameaça às fronteiras estabelecidas pelo e para o casal.

Ultrapassada esta fase, a vida de casal continua até os filhos ganharem autonomia face aos pais, fazendo antever a possibilidade de se encontrarem os dois novamente a sós. E este é outro momento de instabilidade. Se fomos capazes de alimentar a relação de casal para além das necessidades de criar os filhos, se fomos capazes de manter interesses comuns enquanto casal, então seremos capazes de reorganizar relacionamentos, regras de funcionamento e sentir o outro como o companheiro de sempre e não um estranho.

Alguns casais, no entanto, decidem interromper este processo, separando-se, para voltarem posteriormente a casar com o mesmo companheiro. Pode parecer estranho, mas, na verdade, muitos casais que querem experimentar coisas na vida juntos não o conseguem.

Há algum tempo conheci um casal que após um namoro de dois anos decidiu casar. Mantiveram-se casados durante três anos, ao fim dos quais se divorciaram. Nunca perderam o contacto, mas foram conhecendo e namorando outras pessoas. Ao fim de quatro anos decidiram voltar a casar e estão juntos há sete, têm dois filhos e um terceiro a caminho.

Para este casal, o casamento inicial não lhes permitiu gozar a sensação de autonomia que a capacidade financeira, a emancipação dos pais e a possibilidade de desenvolvimento de um projeto profissional possibilita. O casamento tornou-se numa coisa desinteressante, pautado por algumas discussões e convívio difícil. Com a separação, um e outro foram capazes de descobrir novos recursos dentro de si mesmos, coragem para desenvolver capacidades individuais e o prazer de gozar o sossego de um espaço que não tem que ser partilhado, uma solidão desejada que alterna com a vontade de sair com novas pessoas.

Durante este período de afastamento, cada um aprendeu a viver sem o outro, a construir projetos individuais, a sair de um relacionamento em que a fusão era tão intensa que não se sabia onde começava um e acabava o outro. Mas, com o tempo, as mágoas e ressentimentos foram-se suavizando e a comparação com os outros que foram conhecendo mostrou-lhes que a escolha inicial afinal tinha muitas qualidades.

Assim, alguns casais que pensavam ter esgotado as possibilidades começam a repensar a relação e a encarar a possibilidade de voltarem a sair juntos. Por vezes a paixão regressa e o medo de sofrer faz com que a reconciliação seja precedida de um cauteloso namoro em que aceitam sair juntos, renovar a sexualidade e, acima de tudo, conversar escutando o outro.

Não se trata de um conto de fadas.

A hesitação, o medo de repetir um erro e de ser novamente abandonado são reais. Mas a valorização das qualidades daqueles com quem partilhámos alguns anos e o sentimento de amor levam-nos a ultrapassar estes medos e a investir novamente no nosso companheiro, ainda que de forma diferente, aprendendo com o passado.

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Infidelidade e o mito da monogamia

A infidelidade tem ramificações importantes no estudo do comportamento humano. Do ponto de vista estritamente reprodutivo, a poligamia seria o ideal — mais exatamente a “poliginia”, ou seja, um homem para várias mulheres. Trata-se apenas de vantagens biológicas, na medida em que este tipo de comportamento aumenta a variabilidade genética, diminuindo a ocorrência de doenças geneticamente transmissíveis e tornando a humanidade mais adaptável a mudanças no ambiente.

Mas o Homem já evoluiu muito para além da mera biologia e hoje o comportamento é analisado como um todo, nomeadamente quando nos centramos na fidelidade nas relações amorosas. A ideia comum e vulgarmente aceite de que a monogamia é uma regra natural do casamento, ou de uma relação considerada não ocasional, é uma certeza que todos temos quando, durante a infância, adolescência e primeiros anos da vida adulta, imaginamos uma relação duradoura com alguém de quem gostamos. Aceitamos como uma certeza que o nosso casamento será monógamo. No entanto, a realidade é outra. Até há 20 anos quase todos os divórcios tinham como causa a infidelidade. Contudo, hoje em dia, a infidelidade não significa necessariamente o fim da relação.

Os motivos que levam a ter casos extraconjugais são mais complexos do que geralmente imaginamos. Quando existe uma satisfação plena dos cônjuges a nível sexual, as necessidades de cada um são valorizadas e atendidas, a monotonia consegue ser evitada, a cumplicidade, o respeito e o diálogo são uma constante. Muito provavelmente, este será um casal tendencialmente monógamo, pois existem diferentes formas de conceber a infidelidade consoante o género e as características de personalidade de cada um. É menos comum do que se imagina encontrar homens a viver casos extraconjugais que começaram simplesmente por não conseguir resistir a uma “tentação”, arrastando esse caso por anos ou décadas e formando verdadeiras famílias paralelas.

Com as mulheres as coisas passam-se de forma diferente. Geralmente precisam de um motivo forte para terem relações extraconjugais e a vingança de uma traição, o alcoolismo incurável ou a solidão no casamento aparecem no topo das razões que as levam a sucumbir mais facilmente ao amor romântico, imaginando que essa relação paralela irá suprir todas as carências do seu casamento. Quase sempre se apaixonam.

O senso comum mostra-nos facilmente como homens e mulheres são diferentes no campo da monogamia, independentemente da época a que nos reportamos. Os homens classificam com maior frequência as suas relações extraconjugais como pouco importantes, na medida em que o sexo prevalece e não se estabelece uma relação de proximidade e afecto.

Por sua vez, as mulheres referem que as suas infidelidades não são um problema, porque envolvem um estado de paixão e, como tal, não se trata de atos de hostilidade com o sentido de prejudicar o parceiro.

É muito claro que diferentes pessoas atribuem diferentes valores à fidelidade e infidelidade. Estas ideias não são verdades absolutas e daí não poderem ser a única forma de olhar para o fenómeno. Ser infiel no passado não determina um comportamento semelhante para sempre, com qualquer parceiro ou tipo de envolvimento. Mas há outros mitos.

Mito um: todas as pessoas são infiéis.

Trata-se de um comportamento natural e previsível. Dados estatísticos sobre a frequência da infidelidade, no entanto, mostram que cerca de metade das pessoas se envolvem em relações de infidelidade.

Tradicionalmente, este era um comportamento mais característico dos homens, mas atualmente-te as mulheres estão em situação de igualdade. A geração de mulheres mais novas tende a ser mais infiel do que as gerações anteriores. Muitas razões podem ser apontadas para esta mudança de comportamento, mas a ascensão económica e social, com a consequente autonomia financeira e pessoal, permite-lhes fazer escolhas que não as prendem ao medo de perder o casamento.

No entanto, a fidelidade conjugal continua a ser a norma, na medida em que a maior parte dos parceiros é fiel.

Mito dois: a infidelidade faz bem ao casal.

Não totalmente. Um affair pode fazer reviver um casamento monótono — aliás, este é um relato comum de muitos casais que me procuram após terem conhecimento de uma relação extraconjugal. Esta ideia parece assentar na convicção de que um casamento é forçosamente uma situação monótona, indutora de desinteresse e frágil. Se uma situação de crise, como uma relação extraconjugal, pode ajudar o casal a rever a sua relação, resolvendo problemas antigos e enquistados, a infidelidade pode ser a crise mais perigosa, pois atinge os parceiros naquilo que é mais difícil, mas não impossível, que é reconquistar a relação de confiança.

Mito três: quem é infiel não ama o parceiro.

As razões para o aparecimento de uma terceira pessoa na relação são variadas. A maioria relaciona-se diretamente com a satisfação de autoestima do que com as consequências diretas do estilo de relação no casamento. Não é invulgar a descrição de uma relação estável e gratificante no casamento (mesmo a nível sexual) e, ainda assim, o elemento infiel afirmar que, por natureza, precisava de outra pessoa para equilibrar a sua maneira de ser.

Mito quatro: o novo companheiro é mais sexy.

Sim e não! Depende do que o parceiro infiel procura na relação extraconjugal e do estilo de pessoa que é. Este mito decorre de uma realidade que existe e que é influenciada pelos valores transmitidos, por exemplo, pela publicidade, pelas novelas, etc. Mas também é verdade que o homem procura desde sempre a eterna juventude e, não podendo consegui-la para si, fá-lo através do contacto com quem a tem.

Por outro lado, a possibilidade de conseguir através do parceiro da relação de infidelidade algo que levaria muito anos a conquistar por si próprio (poder, prestigio social, segurança económica), faz com que a pessoa eleita seja mais velha. No que respeita ao sexo, muitas vezes o parceiro infiel reconhece que a relação sexual é globalmente mais gratificante em casa. A razão está muitas vezes relacionada com algo que só se consegue estabelecer numa relação de longo prazo.

Mito cinco: a culpa da infidelidade é do outro.

A crença verbalizada de que foi o marido ou a mulher que empurraram o companheiro para a situação de infidelidade é geralmente aceite pelos dois. Se a situação parece duplamente absurda, pois ninguém obriga o outro a fazer aquilo que não quer, a verdade é que nela reside a ideia de que o casamento “terminou” no dia em que decidiram casar. Ou seja, a partir do momento em que dão o nó, ambos os elementos do casal não acham necessária criatividade nem conquista entre os dois. Vêm na sua relação um processo que tem como objetivo a manutenção de uma situação descrita pela palavra “casamento”.

Mito seis: esconder a verdade evita a crise.

Não é uma forma eficaz de lidar com a situação. No entanto, o momento de partilhar a informação de uma relação extraconjugal não deve decorrer de forma precipitada. Esconder a verdade produz uma enorme sensação de destruição. A incapacidade de partilhar informação pode provocar sentimentos altamente destrutivos relacionados com a culpa e a desconfiança e conduzir a comportamentos ainda mais negativos para lidar com a situação. Quando confrontados com uma relação extraconjugal, a abordagem da situação deve ser marcada pela tentativa de compreensão e não culpabilização do contexto.

Assim, antes de confrontar o outro, devemos trabalhar os nossos sentimentos, tentando ganhar força para lidar com o que possa resultar. A ajuda de um profissional, como um terapeuta familiar, pode ser útil para levar a tarefa a “bom porto”.

Mito sete: a única saída é o divórcio.

Não necessariamente. Ultrapassar a situação da infidelidade relaciona-se com o tipo de personalidade de quem está envolvido. Geralmente, um casal em terapia não se divorcia em consequência direta da relação extraconjugal. Se o divórcio acontece, muitas vezes é porque aceitar falar da crise remete o casal para problemas preexistentes que constituem a verdadeira razão para a separação.

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Azares que se Repetem

Por mais vezes que repitam as promessas de que da próxima vez será diferente, estas pessoas vivem paixões intensas, mas acabam invariavelmente a chorar as mágoas de uma relação que deixa para trás recordações e destruição.

Recebi recentemente em consulta uma mulher que recuperava de uma tentativa de suicídio, subsequente a mais uma ruptura na sua vida. O namoro decorreu aparentemente sem problemas e até os amigos comentavam que ela parecia muito mais feliz desta vez, capaz de falar sobre a relação, mas parecia, uma vez mais, estar a “dar tudo de uma vez”. Não sendo propriamente uma relação entre jovens adultos – ambos vinham de relações anteriores das quais existiam filhos – começaram a fazer planos para viverem juntos.
Subitamente o namorado recuou e cortou todo e qualquer contacto.
No decorrer da terapia foi possível apurar que esta foi apenas mais uma das relações que seguiu o mesmo padrão. E o sentimento de desilusão e desespero desta mulher foi tal que o suicídio pareceu a única saída.

O envolvimento em relações potencialmente complicadas não é um privilégio do homem nem da mulher e pode acontecer em qualquer idade. Na verdade, quem vive este padrão de relacionamento vai-se habituando, com o tempo, a suportar os embates mais terríveis à sua auto-estima, acabando por fortalecer a sua capacidade de tolerar desilusões. E assim vai perpetuando o papel de vítima, continuando a lamentar a sua falta de sorte e incapacidade para mudar o destino.
Esta incapacidade, no entanto, não resulta de uma partida do destino, mas da inexistência de uma pausa que permita avaliar o que aconteceu para trás antes de apostar num novo relacionamento ou seja, não foram pensados os papéis, o nosso ou o do outro.
Nestes casos é comum existir um processo de auto-comiseração que facilmente mobiliza os outros no sentido de nos confortarem. É como ir ao posto de abastecimento da auto-estima. Recuperamos alguma, voltamos ao campo de batalha das relações. Mas um depósito cheio não nos permite perceber o que funciona mal no motor. É como se nós, mecânicos do nosso bem-estar, apenas nos preocupássemos em fazer andar o carro, sem cuidar de o lubrificar, ouvir o seu funcionamento, detectar as peças que precisam ser substituídas.

Aqueles que não possuem uma boa auto-imagem, que não se sentem suficientemente merecedores de dar e receber amor, atraem frequentemente parceiros que apenas vêm confirmar essas profecias. E quando conseguem alguém que os acarinha e estima, muitas vezes dizem para si mesmos que não estão habituados e como tal não sabem lidar com essas atenções! Está assim criada a condição para que a sua relação não vingue.

Trata-se de amores que começam com um relacionamento sexual e paixão muito intensas, mas um envolvimento emocional superficial. Rapidamente o abandono, a traição, falta de consideração e, no extremo oposto, a agressão física vem substituir a ilusão do início. E o amor em que estas pessoas tanto apostaram inicialmente é rapidamente substituído por sofrimento e desilusão.

A auto-imagem faz parte integrante da nossa personalidade e começa a delinear-se na infância. Um relacionamento com um adulto significativo e importante para nós (o pai, a mãe, um professor, um avô, etc.) mas que não é capaz de valorizar, respeitar e amar o nosso ser leva-nos a acreditar que não temos valor suficiente para merecer o seu amor. Se durante o nosso crescimento este padrão de relacionamento não se alterar, muito provavelmente viremos a ser adultos possuidores de uma baixa auto-estima e auto-imagem. Assim, quando procuramos um parceiro, muito provavelmente iremos encontrar alguém com quem iremos repetir a situação infantil. Para ultrapassar este padrão de relacionamento precisamos de compreender quem somos, fazer alguma introspecção, recuperando e reconstruindo a nossa auto-estima.

Vivemos uma época em que o auto-conhecimento é uma ferramenta essencial. As pessoas que se envolvem neste tipo de relacionamentos caracterizam-se por uma enorme dificuldade em verbalizar — muitas vezes até em saber — o que as faz felizes, quais os seus objectivos, o que querem da vida. Geralmente, o desejo de agradarem leva-as a centrarem-se de tal maneira nas necessidades e anseios do outro, que é como se a sua própria existência apenas se justificasse em função dele.
Muitas vezes, o outro desfruta de um carinho e atenção que vai para além daquilo que esperou da relação. E os conflitos surgem quando se iniciam as cobranças. Aquele que se sentiu alvo daquilo que julgava ser um amor intenso e desinteressado vê-se confrontado com “fiz tudo por ti e tu nada me deste em troca”.
Compreendermo-nos, é o melhor caminho para a mudança.