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O preconceito das doenças sexualmente transmissíveis

A vergonha, a solidão e o risco das doenças sexualmente transmissíveis crónicas (DSTC) pode afectar a nossa auto-estima e a nossa relação com os outros. Mas este tipo de doença é mais vulgar do que se pensa e não representa nenhum comportamento leviano.

A descoberta de que somos porta­dores de uma doença sexualmente transmissível crónica (DSTC) pro­voca, frequentemente, um impac­to importante na nossa auto-esti­ma, levando-nos a experimentar sentimentos de vergonha muitas vezes associados a uma imagem corporal negativa. Pela sua gravi­dade e risco de vida, não referirei o contágio pelo HIV, ainda que se­ja, como se sabe, uma das mais sé­rias DSTC.

As DSTC são o Herpes Genital, o Vírus de Papiloma Humano (VPH), situações que não pondo em risco a vida daqueles que de­las são portadores, comprome­tem a sua saúde e em particular contém o permanente risco de contágio.

A depressão reactiva, bem como o medo da rejeição por terceiros, parceiros actuais ou futuros, são reacções esperadas nas pessoas a quem estas situações são diag­nosticadas.

Há algum tempo atrás tive a opor­tunidade de trabalhar em psicoterapia com uma jovem mulher por­tadora de DSTC. O relato da sua primeira reacção ao diagnóstico dava conta de uma vergonha in­tensa, depressão e a ideia de que o seu corpo se tinha transforma­do. Recentemente saída de um ca­samento falhado, com um único companheiro sexual até então, tinha sido infectada pelo parcei­ro da actual relação, também ela problemática e em vias de extin­ção. Sentia-se usada, suja.

Embora desagradável, esta é uma reacção normal e muitas das pes­soas que procuram ajuda por esta razão sentem que a sua vida sexu­al acabou, situação vivida de for­ma trágica, especialmente se pen­sarmos que são os mais jovens que têm uma vida sexual mais activa. Eventualmente, a intensidade dos sentimentos associados a estas ideias acabará por se desvanecer e, como todos nós, também estas pessoas aprenderão a viver com as dificuldades que a vida muitas ve­zes nos apresenta. Mas podemos e devemos colaborar com o factor tempo. Para tal, temos que rejeitar uma postura de vítima passiva e assumir um papel activo, tomar o controlo sobre a doença, retoman­do o controlo das nossas vidas. A obtenção de informação cor­recta, útil e adequada à situação de cada um, acerca da doença, co­mo ela pode afectar o nosso corpo, pode ser muito útil no retomar de uma vida normal.

Conhecer a doença. Procurar saber as consequências da doen­ça quer a nível médico quer a ní­vel psicológico é uma forma eficaz de recuperar o sentimento de au­to-estima perdida. Os mitos e pre­conceitos associados às DSTC con­tribuem para o aparecimento dos sentimentos de vergonha e, mui­tas vezes, o confronto com ou­tros que possuem o mesmo grau de desconhecimento é mais uma forma de reforçar o nosso mal-es­tar. Um mito muito comum refe­re que as pessoas infectadas por uma DSTC têm hábitos sexuais promíscuos e são frequentado­ras de locais ou pessoas, no mínimo, duvidosos. Infelizmente, esta ideia não podia estar mais longe da verdade. Estima-se que actu­almente existem 24 milhões de pessoas diagnosticadas com VPH e mais de 4o milhões são portado­ras de Herpes genital.

Adquirir conhecimentos acerca da forma como lidar com a doença também ajuda a readquirir o con­trolo sobre o seu corpo. A visita ao médico Ginecologista/Urologista é imprescindível.

A um nível mais íntimo, a observa­ção do próprio corpo, o reconheci­mento dos sinais que indicam a ac­tividade do vírus pode aumentar o sentimento de controlo sobre a doença, e facilitar a aceitação das alterações na imagem corporal. O stress tem sido muitas vezes apon­tado como um factor que contri­bui para o desencadear de uma crise, bem como o período mens­trual, a falta de exercício e uma nutrição pobre.

Tendo em conta estas informa­ções, o momento em que se desen­cadeiam as crises, e pensando re­trospectivamente no que se passou antes, pode ajudar a controlar ou pelo menos contribuir para o não aparecimento de outra crise.

A observação dos genitais pode ser também uma forma de adequar a realidade às ideias que temos sobre a forma como a doença se apresen­ta, a sua intensidade em determi­nado momento e com isso ajustar os comportamentos que evitem a transmissão a terceiros.

Muitas pessoas, quando estão sau­dáveis, não se sentem confortáveis com ideia de examinar os seus pró­prios genitais, acto que se compli­ca um pouco mais quando o que esperam encontrar são forma­ções desagradáveis como bolhas ou verrugas. No caso do homem, por razões que se prendem com a sua anatomia, essa observação é mais fácil.

Os genitais da mulher estão mais escondidos e são de mais difícil ob­servação. Este facto leva a que seja necessário um maior envolvimen­to e capacidade de adaptação por parte da mulher.

Segredo. Tudo parece fácil dito desta forma. Mas nem todos te­mos a mesma força interior pa­ra iniciar e aceitar as consequên­cias destas observações. Muitos estudos têm demonstrado que o suporte social é benéfico. Este pode ser obtido junto de um(a) amigo(a), de uma consulta de psi­cologia. Especialmente benéfico parece ser o suporte encontrado junto de alguém com quem exis­ta uma relação emocional ou amo­rosa importante. O segredo pode ser o nosso pior inimigo, mes­mo quando o receio da rejeição é muito forte. No entanto, precisa­mos de aprender a aceitar a rejei­ção de um(a) parceiro(a) potencial sem que isso signifique necessa­riamente que, globalmente, não prestamos como pessoas.

Quando acontece estarmos en­volvidos numa relação emocio­nal importante, mais uma vez o elemento chave reside na forma e capacidade de comunicar com o outro. Todos temos dificuldade em partilhar áreas da nossa vida que consideramos extremamente íntimas, quase impossíveis de pôr em palavras. Como partilhar com aquele(a) que amamos algo com que ele(a) terá de conviver emo­cional e fisicamente? E como res­ponder à dúvida de quem conta­giou quem?

São situações muito difíceis mas, se a relação de casal for suficiente­mente próxima, baseada na con­fiança, o diálogo pode ser uma for­ma eficaz de enfrentar a crise, se for conduzido com sensibilidade e bom senso, baseado em factos e al­guma informação preliminar que permita ao outro encontrar eco pa­ra as suas dúvidas.

Choque inicial. Ainda assim, é natural que o casal atravesse um período de choque inicial seguido de um reajustamento à nova rea­lidade. Contudo, vencer a cri­se e prosseguir a relação, ou op­tar pela separação  parecem opções saudáveis, já a impossibi­lidade (incapacidade) de enfren­tar o problema, arrastando a cri­se de confiança, empolando outros conflitos normais num casal pode aconselhar a procura de um pro­fissional capaz de ajudar a desblo­quear e facilitar a necessidade de diálogo.

A capacidade de darmos tempo ao tempo e a nós mesmos deve estar sempre presente. Levamos uma vi­da inteira a construir e a adaptar­mo-nos a uma imagem corporal. Construirmos uma nova é um pro­cesso lento e precisa da contribui­ção de um estado de alma positivo acerca de nós próprios.

A ideia chave a reter é a de que não devemos aceitar ser vítimas pas­sivas deixando que a doença controle a nossa vida, mas tenhamos uma atitude activa e enérgica na compreensão e conhecimento do que pode ser feito.

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Novas famílias, novos papeis

As configurações familiares no início deste milénio são muito variadas e complexas. O casamento transforma- se em casamentos e muitas crianças experimentam duas vivências familiares distintas: a casa da mãe e a casa do pai.

As configurações familiares no fi­nal deste milénio são muito varia­das e complexas. Ao longo de uma vida é cada vez mais frequente “o casamento” transformar-se em “casamentos”. A família tradicio­nal transforma-se noutra de con­tornos maleáveis e dinâmicos. As crianças podem experimentar du­as vivências familiares distintas, a casa da mãe e a casa do pai. E os fi­lhos da nova união poderão ter ir­mãos residentes e irmãos de fim- de-semana… E todos acabam por desempenhar uma multiplicidade de papéis que algumas vezes não desejaram, ou sobre os quais pos­suem pouca informação.

Período crítico. A fase de transi­ção, da ruptura de uma célula fa­miliar à organização da nova es­trutura, é um período crítico, em que a definição das novas rotinas quotidianas, da gestão das emo­ções e dos medos e de encontrar o lugar de cada um na família se traduzem num esforço relacional e emocional que fragiliza todos os intervenientes. É neste período crítico que o nível de inseguran­ça emocional se acentua, como é de esperar nos processos de mu­dança. E as crianças são, infeliz­mente, os alvos preferenciais dos medos e angústias desencadeados pelas modificações profundas no seu universo socioafectivo.

Mas é sobre os adultos que gosta­ria de reflectir, pois a sua actuação pode ser determinante para que esta mudança resulte bem para as crianças, marcando a diferença entre uma “saudadezinha do pa­pá” ao adormecer, que se cura com um telefonema tranquilizante, ou o medo do abandono e do confli­to entre os pais que vão minando a tranquilidade dos mais novos. A verdade é que a qualidade da ac­tuação dos adultos depende muito da forma como gerem os seus pró­prios receios e fantasmas.

E se o novo companheiro não gosta das minhas crianças? Mui­tas vezes esta inquietação surge quando o convívio entre o novo parceiro e as crianças se intensifi­ca, nomeadamente quando come­çam a coabitar. A expectativa dos adultos em relação à intensidade dos laços afectivos é, por vezes, desadequada e origina respostas muito reactivas aos contratem­pos e ajustes que inevitavelmen­te surgem. Os afectos também se constroem e para isso é preci­so tempo.

Definir papéis. As mudanças abruptas são as mais violentas. Se já existem laços de convívio,se já pudemos observar a crian­ça a interagir com o novo compa­nheiro e gostámos do que vimos, talvez não haja motivo para gran­de inquietação. O planeamento é uma estratégia óptima para re­duzir a incerteza e os mal-enten­didos. Uma vez tomada a decisão de viverem todos juntos, é impor­tante que o novo casal se sente pa­ra conversar, definindo o papel de cada um, o exercício da autorida­de e do poder, as regras, as tare­fas, os limites a respeitar do es­paço individual. Principalmente, como agir em matérias susceptí­veis de serem fonte de desenten­dimentos — oportunidade que os mais novos geralmente aprovei­tam para “dividir para reinar” e obter coisas que de outra forma não teriam. Idealmente, e em sin­tonia com as idades das crianças, deveríamos ser capazes de dialo­gar com elas e torná-las parte in­tegrante deste processo.

Devemos deixar sempre claro pa­ra o outro o lugar que as crianças ocupam na sua vida e o quanto são importantes para si. Se o novo companheiro também tiver filhos, entenderá do que estamos a falar. Mas terá igualmente necessida­des, inquietações e expectativas relativamente aos seus próprios filhos. Um processo de negocia­ção intensa torna-se quase obri­gatório, nomeadamente enquan­to predomina o encantamento do enamoramento, que poderá facili­tar a conversa destes assuntos.

Conquista afectiva. Ser tole­rante perante uma situação que é nova para todos, onde ainda se en­saiam papéis e é natural que o ou­tro não seja perfeito, pode ser meio caminho andado para o sucesso. Para isso temos de esquecer a ten­dência generalizada entre muitos casais de fazer comparações com o “ex”, porque, apesar de desem­penhar funções parentais, o novo companheiro não é, de facto, o pai ou a mãe das crianças.

A madrasta má e o vilão também têm medos. O grande medo é ser considerado como um intruso que será rejeitado. Como tornar-se, en­tão, parte integrante da família? E se a criança não o aceita? Qual o impacto que isto vai ter na relação de casal? Estas inquietações con­tribuem para uma atitude hipervigilante, que, por sua vez, pode condicionar condutas muito reac­tivas em resposta a comportamen­tos infantis de oposição ou hosti­lidade. Estes comportamentos da criança são de esperar em qual­quer família — ainda mais numa estrutura familiar em mudança, na qual a criança ainda se sente insegura e até ameaçada — e po­dem ser interpretados numa pers­pectiva catastrófica em que é cer­to que “o miúdo vai-me odiar para sempre!”. Provavelmente a crian­ça está apenas a testar limites, ou a tentar perceber o que fazer com este tipo que, quer ela, quer even­tualmente outros adultos signifi­cativos no seu universo socioafec­tivo, responsabilizam por tomar o lugar do pai.

Conquistar estas crianças a qual­quer preço não é uma boa estraté­gia. A sedução “em esforço” não consegue ser sustentada por mui­to tempo e das duas, uma: a crian­ça sente-a como falsa e rejeita-a ou torna-se manipuladora em respos­ta à sua própria tentativa de ma­nipulação. Se encararmos logo à partida a relação com naturalida­de e com respeito, respeito por nós próprios, pela criança e pelos sen­timentos que necessitam de tem­po para amadurecer, então esta­remos a lançar as bases saudáveis para um bom relacionamento.

Direito de errar. O encontro dos sentimentos de medo da criança com as ansiedades e receios dos adultos tem que ser gerido pelo adulto. Somos nós que temos a capacidade de reflexão objectiva, que somos capazes de descentrar das nossas emoções, de sermos tolerantes e de transmitir segu­rança, de agir reflectidamente, com bom senso, ajustando as nos­sas expectativas e desejos às limi­tações e exigências da realidade, de auto-regular o nosso compor­tamento e, finalmente, exercer o poder. E como tudo isto não é fácil, temos também direito às fragilidades que habitam em to­dos nós e temos direito a errar! Não podemos é esperar que se­ja a criança a ter uma atitude ca­racterística de um adulto, mes­mo que estejamos a falar de adolescentes.

O papel do pai ou mãe é funda­mental para criar harmonia na nova família. São o seu compor­tamento e as suas atitudes que vão fornecer pistas às crianças do lugar do novo elemento na família, da sua importância, do que é e não é permitido. E é do diálogo entre o casal que nas­cem soluções criativas para as dificuldades que forem surgin­do. O grande truque talvez se­ja transformar potenciais con­flitos e agressões em problemas que necessitam de resoluções concretas. Porque este é o seu projecto e é pelo casal que a fa­mília existe.

 

Bebés. Levar um bebé para ca­sa do novo companheiro é uma situação que desencadeia medos profundos, tanto mais graves se estiverem associados a separa­ções conflituosas. Sentimentos de perda, rejeição e ciúme rela­tivos à ruptura do casal podem ser projectados nos filhos e no acto de os cuidar e partilhar.

A frustração ou sentimentos de impotência e abandono, comuns nas primeiras etapas do luto da relação, geram a necessidade de agredir aquele que “traiu” o projecto de vida a dois. Esta ne­cessidade leva a que se “instru­mentalizem” as crianças e que se façam muitas asneiras. Uma das tentações mais irresistíveis costuma ser criar aversão ao “ri­val” e ao novo lar. Ou enfatizar o distanciamento do outro pai co­mo uma troca, um abandono, sa­lientado as desvantagens de es­tar no “outro lado”.

Este tipo de estratégia tem nor­malmente dois resultados: a curto prazo a criança parece aderir e há uma recusa em estar com a “concorrência”; ou, a médio/longo prazo, se a pos­tura do “outro lado” for de to­lerância e amor, o feitiço vira­-se contra o feiticeiro. Há perda de relação e desvalorização de quem implementou esta estra­tégia. Entretanto, muito prova­velmente, viveram-se momen­tos dolorosos, alimentaram-se conflitos, criou-se desarmonia e sofrimento, pois atiçou-se o lu­me do caldeirão dos medos, dos adultos e crianças.

Contudo, devemos lembrar que ninguém pode ocupar o seu lu­gar no coração do nosso bebé, sermos o seu porto de abrigo. Ajudá-lo a enfrentar estes per­cursos com tranquilidade, não o sujeitando à violência das es­colhas impossíveis, é fundamen­tal, pois ele ama e necessita dos dois, mesmo que os dois já não sejam um.

Medos. Para neutralizar a an­gústia de não o termos sob a nossa asa protectora, devemos lembrarmo-nos de que quando escolhemos ou aceitámos ter um filho com aquele companheiro, com o qual podemos estar mui­to zangados, demos-lhe um vo­to de confiança como pai/mãe. Devemos lembrarmo-nos que o outro tem recursos que lhe per­mitiram tratar do filho conjun­to, e este precisa muito de estar com o pai/mãe em condições na­turais, em paz.

Nos pais que deixaram de viver com as crianças a tempo inteiro costuma observar-se uma ten­dência para espaçar os momen­tos de convívio com elas. Pare­ce uma reacção paradoxal, pois estamos a falar de pessoas res­ponsáveis e amantes dos seus fi­lhos. Mais uma vez, o medo tem um papel dominante na origem deste comportamento. O medo de não sermos competentes nes­te novo cenário, o medo da per­da de afecto, o medo da dor no momento da separação acciona mecanismos de defesa psicológi­cos, dos quais fazem parte a fu­ga. Ainda que fugindo ao con­fronto directo com a situação, o medo não desaparece, conti­nua lá, como que adormecido. De facto, conseguimos uma es­pécie de “alívio” imediato, mas a escassez de convívio continu­ado com os filhos acaba por tra­zer mais sofrimento e perda pa­ra nós e para eles.

O contacto com as nossas crian­ças tem um efeito psicologica­mente equilibrador. Ao vencer as primeiras etapas mais difí­ceis, a criança reafirmará o afec­to e a necessidade que tem de nós, confirmando o que sempre soubemos: que, para ela, nós somos insubstituíveis.

 Dicas para os pais:

  • Devemos ser previsíveis. Devemos evitar a todo o custo faltar aos encontros prometidos. Por, vezes as expectativas criadas são muito elevadas porque o pai ou a mãe vão estar presentes e os filhos precisam  de saber que podem continuar a contar com os pais
  • Se não pudermos de todo comparecer ao encon­tro devemos telefonar e explicar-lhe directamente a razão. Mas estas devem ser situações de excepção. É também importante deixar claro quando vai acontecer o próximo encontro.
  • Sempre que se despedirem, devemos referir “até sexta-feira!”,   para que a criança tenha uma referência concreta
  • Utilizar linguagem positiva leva-nos no reencontro, em vez de nos mostrarmos tristes porque tivemos muitas saudades da criança, transmitir-lhe a alegria que sentimos por estarem juntos
  • O importante é interagir naturalmente. Não é preciso estar continuamente a fazer programas fantásticos, que muitas vezes obrigam a esforços financeiros e psicológicos que “contaminam” os estados de espírito, deixando-nos ansiosos e criando na criança o sentimento de que tem que se divertir.

Usufruam do momento!

 

 

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Finanças conjugais

O dinheiro é frequentemente fonte de problemas entre o casal. Alguns não suportam que o parceiro ganhe mais, outros apontam o dedo por ser demasiado gastador. Trata-se de lidar com questões de poder e controlo da dinâmica familiar, o que nem sempre é pacífico.

Discutir assuntos de dinheiro com o parceiro é um tema que ainda hoje muitos casais evitam. De fac­to, o dinheiro encontra-se inex­trincavelmente associado às es­peranças e sonhos, sentido de se­gurança e de reconhecimento so­cial, medos e crenças pessoais, mas também a quase todas as emoções e expectativas que caracterizam a vida familiar.

Existem três elementos essenciais para que uma relação dê certo e se­ja saudável. A primeira passa pela possibilidade de nos expressarmos livremente acerca da forma como encaramos o mundo e, em parti­cular, a relação. Passa ainda pela segurança física e psicológica da nossa pessoa e dos nossos filhos e, finalmente, pela sensação de con­fiança em relação ao futuro, ou se­ja, ter a possibilidade de sonhar. Em qualquer um destes campos, a última coisa que queremos sen­tir é que precisamos de nos proteger do nosso companheiro. Nesse sentido, o dinheiro gera um con­texto muito potente para que sur­jam mal-entendidos, atraindo ou­tras emoções negativas que geral­mente gravitam no espaço de du­as pessoas.

Contexto social. Há umas de­zenas de anos atrás, a mulher ain­da não estava integrada no merca­do de trabalho como está hoje e, se acontecia trabalhar fora, a última palavra pertencia ao marido. Mes­mo quando o dinheiro era ganho pelo homem e entregue à mulher, ela tinha que prestar contas dos gastos, tornando-se assim res­ponsável pela abundância ou pe­la falta de dinheiro. No tempo dos nossos avós, se a mulher queria ter algum dinheiro para “os seus alfi­netes”, tinha que escondê-lo, ma­quilhar as contas do merceeiro, principalmente quando não lhe era possível pedi-lo abertamente, ou se, trabalhando fora, lhe era so­cialmente exigido partilhar tudo com o marido.

A verdade é que a diferença de sa­lários ainda hoje é motivo de dis­cussão entre muitos casais. Se para uns não tem qualquer importân­cia quem ganha mais, para ou­tros não é bem assim. De um mo­do geral, a vantagem está do lado dos homens, que chegam a ter um salário duas a três vezes mais ele­vado do que o das mulheres. As­sim, a tradição não foi quebrada e a ideia do homem provedor man­tém intacto o equilíbrio emocio­nal individual e da relação. Quando é a mulher que ganha mais, há um aumento na inten­sidade e frequência do número de discussões devido ao dinheiro. Culturalmente, e aos olhos de ter­ceiros, o homem perdeu a capaci­dade para que foi “treinado” por milhões de anos de história. Se ac­tualmente tendemos a não valorizar estes comportamentos e acei­tamos, por exemplo, que cada um tenha a sua conta, mesmo assim não podemos esquecer que somos fruto de um passado que nos le­gou uma herança nem sempre fá­cil de alterar.

Nós e o dinheiro. Aquilo que so­mos actualmente também é resul­tado das vivências, expectativas e crenças que nos foram transmiti­das enquanto crianças, também no que respeita ao dinheiro. Isso significa que o valor que lhe atri­buímos numa relação é determi­nado pela “personalidade finan­ceira” que desenvolvemos ao lon­go do tempo.

A primeira diferença tem a ver com o género. Parece consensual, que as mulheres colocam a segu­rança financeira como uma das su­as principais prioridades. Outras características comuns a homens e mulheres estão presentes em proporções diferentes em cada um de nós e dizem-nos qual o nosso esti­lo de relação com o dinheiro.

O despreocupado vê o dinheiro como fonte de liberdade, não gosta da rotina nem de horários rígi­dos. É geralmente freelancer e acei­ta correr riscos financeiros. Prova­velmente nunca fez um orçamento ou planeou o seu futuro financei­ro. Se lhe sobra, gasta naquilo que lhe dá prazer.

O cuidadoso entende o dinheiro como fonte de estabilidade e segu­rança. Guarda tudo o que sobra do orçamento meticulosamente pla­neado e geralmente é visto pelos outros como o “forreta”.

O dirigente vê o dinheiro como fonte de poder. Gosta de ter con­trolo e gasta naquilo que lhe dá estatuto social, influência e força. Por último, temos o sociável. Uti­liza o dinheiro para reforçar os seus relacionamentos, é cuidado­so na gestão e compra um presen­te a alguém ou recebe amigos em sua casa. Não resiste a estar dispo­nível para os outros e geralmente é o primeiro a “abrir os cordões à bolsa” para terceiros.

Todos nós temos um pouco de ca­da um destes estilos em diferentes momentos da nossa vida e saúde financeira. São estilos em relação aos quais não interessa fazer juí­zos de valor, mas apenas identi­ficar o nosso e o do nosso cônjuge desde o início de uma relação. Trata-se de um passo muito im­portante para estabelecer um pla­no de vida coerente, aprendendo a negociar as diferenças e afastando as questões financeiras do âmbito das discussões.

Partilha e autonomia. Nos ca­samentos actuais assistimos à ma­nutenção de contas separadas e uma terceira para a qual os cônju­ges contribuem a meias, de forma proporcional ao salário ou apenas em função dos acordos pré-esta­belecidos sobre quem paga o quê. A verdade, no entanto, é que casa­mos cada vez mais tarde e muitas vezes trazemos para a relação um historial financeiro de ganhos, dí­vidas e compromissos que passam a ser partilhados.

Independentemente das diferen­ças de salário, de haver muito ou pouco dinheiro, a gestão das fi­nanças no quotidiano é frequen­temente fonte de problemas no casal, uma vez que se trata de li­dar com questões de poder e con­trolo da dinâmica da relação. A manutenção da autonomia de ca­da elemento do casal numa socie­dade em que o nível de divórcios é tão elevado aconselha a que cada um mantenha a sua conta indivi­dual, para além daquela que resul­ta das necessidades do orçamento familiar. Pode parecer-nos uma visão do casamento muito mate­rialista, mas a verdade é que ac­tualmente estamos na era dos ca­samentos negociados, em que te­mos que descobrir como conviver, respeitando sempre as diferenças do outro. Não se trata de adoptar uma atitude individualista, mas apenas de preservar a autonomia necessária para exprimir a nossa individualidade na vida de casal. Se ambos partilharmos os nossos sonhos, onde queremos ir, o que queremos fazer, o que queremos para os nossos filhos, que impor­tância atribuímos às necessidades dos familiares, então podemos es­tabelecer um orçamento que funcionará como guia. A cumplicida­de e capacidade de partilha que es­te processo exige terão como con­sequência maior proximidade dos elementos do casal, melhor solidi­ficação da noção do “nós” e a remo­ção do elemento financeiro da área da discussão para o introduzir na área do diálogo construtivo.

É muito importante que cada ele­mento do casal enfrente os seus sentimentos e crenças acerca do dinheiro e encontre disponibili­dade para discutir as suas finan­ças, tomando decisões em conjun­to acerca de orçamentos, objecti­vos a curto e longo prazo e estra­tégias de investimento.

 

Ajuda:

  • Falar sobre a situação finan­ceira antes de decidir casar. Considerar pagar as dívidas de cada um antes de casar. Conversar acerca de como a questão do dinheiro era vivida nas famílias de origem.
  • Conversar sobre como lida­mos com o dinheiro ou a falta dele no passado.
  • Ser honesto relativamente à situação financeira.
  • Estabelecer objectivos co­muns através de conversas regulares.
  • Desenvolver um orçamento que possa ser sempre revisto face a imprevistos.
  • Decidir antecipadamente qual o grau de endividamen­to aceitável.
  • Atribuir uma verba para as “loucuras” da família.
  • Dividir responsabilidades. Ter um comportamento mo­derado com as finanças indi­viduais.
  • Ter em conta a educação fi­nanceira dos filhos.
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Aprender a dizer não

Na relação que temos com os outros, é essencial identificar limites. Seja entre amigos, no casal ou em família, saber dizer não é uma virtude que nos poupa muito sofrimento.

De um modo geral, todos aprende­mos a palavra “não” por volta dos dois anos de idade e utilizamo-la com bastante frequência. Faz par­te do processo de crescimento e so­cialização saudáveis dizer não pa­ra desafiar a autoridade dos mais velhos, principalmente dos pais. Mas nesta altura é-nos permiti­do dizer não com bastante liber­dade.

Muitos de nós, no entanto, cres­cemos a ouvir dizer que devemos agradar aos outros. Dizer não vai desaparecendo gradualmen­te do nosso vocabulário ao longo do crescimento, sendo substituí­do por inúmeras maneiras de ser­mos agradáveis, disponíveis e sim­páticos. Não é suposto negar o pe­dido do chefe para fazer horas ex­traordinárias ou ao pedido da fa­mília para cumprir mais uma tra­dição com os nossos pais, mesmo que isso ponha em causa os nossos planos. Subentendido a tudo isto, acreditamos que dizer não pode custar muito na nossa vida emo­cional, profissional e relacional.

Olhar dos outros. Exprimir de­sacordo obriga-nos a ter uma ati­tude pró-activa, ou seja, a colocar em questão a ordem estabelecida e, em seguida, a aceitar o dever de dialogar e negociar com o outro. Mas também nos fragiliza, na me­dida em que nos expomos a críti­cas e ao escrutínio dos outros. Recentemente vi em consulta uma senhora considerada por todos que a conhecem como uma pessoa de extrema disponibilidade e simpa­tia, sempre disposta a ajudar os ou­tros e a aceitar as necessidades de­les como suas. Após uma situação de doença grave, esta senhora pa­rou para pensar em si e teve a cora­gem de dizer que não estava dispo­nível. No entanto, a falta de hábi­to de a ouvirem dizer não surpre­endeu todos. E a falta de resposta que encontrou junto daqueles a quem pediu ajuda fê-la sentir-se, como me confessou, “má, agressi­va, uma alma atormentada.” Presa entre a necessidade de se afirmar e o hábito de dizer sempre que sim, sentia que lhe faltava a capacidade de saber dizer não e de ser capaz de negociar uma alternativa. Mas es­sas alternativas existem, como ve­remos a seguir.

Não agressivo. É afirmado com despeito. São utilizadas frases co­mo “Está a brincar comigo? Eu cuidar do seu animal enquanto você estiver fora?”. Algumas vezes inclui um ataque à pessoa que faz o pedido: “Deve estar doi­do, eu nunca poderia tomar conta seu animal enquanto você es­tiver fora!”

Não negativo. É acompanhado pelas desculpas de “mau pagador” e racionalizações, ou seja, expli­cações muito consistentes sobre as razões que impedem aceder ao pedido. Se sentimos falta de con­fiança quando dizemos não, pode­mos pensar que necessitamos jus­tificá-lo com inúmeras razões para convencer o outro. Podemos mes­mo inventar uma desculpa para apoiar esta decisão que, no entan­to, pode voltar-se contra nós se a mentira for exposta.

Não assertivo. Simples e direc­to: “Não, não me será possível aju­dá-lo com isso!” Podemos oferecer uma explicação, que também deve ser clara e simples: “Não, não me será possível ajudá-lo com isso, já tenho um compromisso para sex­ta-feira à noite.”

Afirmação pessoal. As contra­dições, os desacordos e os acordos possíveis permitem uma comuni­cação verdadeira. Sempre que for­mos assertivos a dizer não, pode­mos dedicar um bocadinho do nosso tempo ao prazer que sen­timos nessa forma de afirmação pessoal. Em suma, saber dizer não aos outros permite-nos dizer “sim” a nós mesmo da forma mais acertada. 

 

Para pensar:

  • Para obter um “sim” da sua parte, todos os seus interlocutores vão tentar fazer com que se sinta cul­pado. Não se deixe influenciar nem ceda a chantagens, sobretudo à chantagem emocional.
  • Quando alguém lhe fizer um pedido, pondere os prós e os contras da questão com tempo e dê a sua resposta. Nunca hesite em pedir um tempo para reflectir e recorde-se que a decisão depende apenas de si.
  • Assegure-se de que a sua voz soa firme e directa. Olhe as pessoas nos olhos quando diz “não” e reforce o que diz abanando a cabeça ao mesmo tempo.
  • Recusar é sempre fonte de an­siedade. Aprenda a geri-la, tomando consciência dos pensamentos negativos que confundem a vontade de recusa. Substitua os monólogos interiores negativos por pensamentos realistas como “tenho o direito de exprimir as minhas opiniões”.
  • O método do “não, mas…” permite- nos contornar a dificuldade. Ofereça alternativas sem abdicar da sua decisão. Mostramos assim que reflec­timos no pedido que nos foi feito e que a nossa recusa não surgiu apenas por desinteresse ou por ser a resposta mais fácil.
  • Dizer “sim” quando quer dizer “não” poderá ser fonte de mal-estar. Isso consome ener­gia, gera desconforto e seria desnecessário se apenas tivesse dito “não”.
  • Não recuse apenas pelo espírito de con­tradição, porque está enervado, tenso ou porque acha que “já aprendeu a lição”. O “não” deve ser autêntico e favorecer mudanças genuínas.
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Aborto Espontâneo , Sonho adiado

Com o aparecimento da pílula e de técnicas de reprodução medicamente assistida, aquilo que para muitas mulheres passaria despercebido passou a ser vivido como um problema real: a interrupção involuntária no início da gravidez, ou seja, qualquer momento antes das 20 semanas de gestação.

Os abortos espontâneos são mui­to comuns. As estatísticas mos­tram que para as mulheres que tomam como medida de gravidez a falta de menstruação, cerca de 15% tiveram um atraso menstru­al sem uma gravidez subsequen­te. No entanto, o aparecimento de testes altamente sensíveis permi­te detectar uma gravidez ao fim de cinco ou sete dias após a fertiliza­ção do óvulo, cerca de uma sema­na antes do período menstrual. Se ao primeiro grupo juntarmos es­tas gravidezes detectadas tão pre­cocemente, o número de abortos espontâneos sobe para 3o%.

Explicação médica. As causas deste tipo de aborto podem ser muito diversificadas e parecem não reunir consenso. Contudo, alguns estudos apontam para que cerca de metade destas situações se devam a um erro genético no momento da concepção. Trata-se da resposta da mãe natureza a es­ta situação, descartando o ovo que resultaria num embrião inviável ou numa criança com problemas graves.

Contrariamente ao que muitos ca­sais julgam, o aborto não se deve, na maior parte dos casos, a atitu­des erradas, ainda que a adopção de um estilo de vida saudável, no que diz respeito ao exercício, ali­mentação e hábitos tabágicos e al­coólicos, potcncie a fertilidade do casal. Muitos médicos consideram o primeiro aborto deste tipo como fruto do acaso, embora esta expli­cação seja insuficiente para os fu­turos pais. A avaliação médica des­tas situações apenas se inicia após o terceiro aborto e, mais uma vez, a hipótese de haver uma falha ge­nética é muito grande.

Para identificar a causa dos abor­tos espontâneos, a mulher deve su­jeitar-se a uma série de testes. Um dos primeiros factores que deve ser pesquisado é a existência de ano­malias estruturais do útero, ana­tómicas ou não, que comprome­tam a implantação do embrião.

Esta parece ser a causa em 12% dos casos, apesar de muitos pro­blemas anatómicos poderem ser corrigidos cirurgicamente.

Os níveis hormonais são outra área de investigação. Por vezes o corpo da mulher não produz a quantida­de de progesterona necessária pa­ra permitir o crescimento do endo­métrio após a concepção. Noutros casos, um desequilíbrio da tiróide ou o aparecimento de uma diabe­tes também podem dar origem a este tipo de aborto. Nestes casos, a compensação hormonal e do es­tado metabólico em geral pode ser suficiente para que uma nova ten­tativa seja bem sucedida.

O estudo da mulher e do parcei­ro quanto a doenças sexualmen­te transmissíveis e outras, como a rubéola, é também necessário. Da mesma forma, o casal deve efectuar uma análise cromossó­mica através da determinação do cariótipo de cada um. Em alguns casos, raros, um dos cônjuges po­de ser portador de uma estrutura genética anormal que poderá in­viabilizar uma gravidez.

Lidar com a perda. Perder uma gravidez deixa qualquer casal nu­ma luta intensa para recuperar o equilíbrio emocional, ao mesmo tempo que o corpo da mulher re­cupera das alterações físicas. Se al­guns casais parecem pouco afecta­dos pelos acontecimentos, outros experimentam sentimentos de perda que os podem levar a uma instabilidade emocional e, por ve­zes, uma depressão reactiva a tu­do o que se passou. Muitos os ca­sais expressam uma tristeza que até aí não julgavam ser possível sentir e esse sentimento tem ten­dência a agravar-se com o número de abortos.

O modo como a mulher e o seu par encaram o aborto espontâneo é ge­ralmente diferente: a mulher ne­cessita de rever e falar acerca da perda, enquanto o homem se mos­tra mais prático e orientado para ultrapassar a situação. Isto não significa que o homem não este­ja a sofrer — as pessoas nem sem­pre ultrapassam os mesmos problemas ao mesmo ritmo ou com as mesmas soluções. De uma for­ma geral é o homem que consola a mulher, mas este não deve ser o único a proporcionar conforto. Cada um necessita de contar com o outro para dar suporte e confor­to, encontrando um espaço em que ambos se permitam estar infe­lizes, estar tristes, poderem falar e confraternizarem com outras pessoas sem julgamentos de valor quanto à forma como cada um rea­ge em determinado momento. Se já existem outros filhos, é nor­mal que eles expressem o senti­mento de responsabilidade pelo sucedido. Assim, devemos ouvir as suas preocupações e tentar ex­plicar-lhes o que se passou. As crianças devem ter a possibilida­de de partilhar e compreender a tristeza dos adultos e de expres­sar a sua própria tristeza.

Processo emocional. Todas as perdas representam objectivos que não foram atingidos, sonhos que se desvanecem e trazem algum pessimismo na forma de encarar o futuro. Em qualquer perda exis­te subjacente um processo que pode ser identificado através das se­guintes etapas: choque e negação; raiva, culpa e depressão; aceitação. Cada uma destas fases é necessá­ria para ultrapassar a perda. Leva tempo a ser superada e a forma que assume pode variar muito de pes­soa para pessoa.

A patologia apenas acontece quan­do há fixação apenas numa destas etapas e recusa em passar à scguin­te, no sentido da aceitação. Podem existir factores que favorecem es­sa fixação. Alguns podem ser ante­cipados e evitados, outros não. Se, por exemplo, se sofreu uma perda recente, e o momento do processo é o da raiva, culpa e depressão, e te­mos um convite para uma festa de crianças em que o ambiente não é adequado à nossa forma de estar, será melhor não comparecer à fes­ta e sair, envolvendo-se noutras ac­tividades que dêem prazer ao ca­sal. No entanto, se não for possível evitar situações como esta, então será melhor encará-las como incó­modos temporários inevitáveis. Percorrer o processo de luto faz parte da recuperação. Não faz de­saparecer a perda nem permite es­quecer, mas com o tempo permite encontrar um lugar para arrumar confortavelmente esta perda. Importa saber que todas as reac­ções são normais e o casal não de­ve sentir medo ou retracção em expressar e eventualmente expor a um terapeuta os seus medos e preocupações

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Depressão: um assunto da família

Os dados estatísticos relativos à depressão demonstram que, de facto, o número de deprimidos tem vindo a crescer de forma consistente nos últimos 50 anos e que esse crescimento se verifica sobretudo nas pessoas nascidas depois de 1945. Por sua vez, os sintomas depressivos têm vindo a surgir cada vez mais cedo, perto dos 20 anos, enquanto que antes não seria de esperar encontrar pessoas com esta doença com menos de 3o.

A análise dos dados de estudos transculturais tem demonstrado que, embora tenham vindo a ser descobertas causas associadas a fatores individuais, bioquímicos e genéticos, esta é uma condição fortemente associada a fatores culturais. Podemos encontrar inúmeros fatores depressores na nossa cultura e, entre outros, destacam-se a facilidade de acesso a enormes quantidades de informação e a alteração da noção de tempo, causados pela súbita evolução tecnológica. Só desde 1945 devemos ter acumulado e criado mais formas de acesso a informação do que aquelas que produzimos até então.

Quanto maior é a quantidade de informação de que dispomos mais nos vemos forçados a roçar- lhe apenas a superfície, para evitarmos uma sobrecarga. Do ponto de vista psicológico somos levados a olhar esse excesso de informação de uma forma global, descurando o detalhe, o pormenor, donde resulta que, quando tentamos resolver um problema, tenhamos tendência para nos perdermos porque, frequentemente, a sua solução nos aparece dispersa, como numa sucessão de pequenos objetivos. Assim, cresce em nós uma sensação de impotência perante os problemas, que nos faz senti-los como inultrapassáveis e que nos leva a desistir de resolvê-los antes mesmo de tentarmos. Mas esta grande mais-valia da revolução tecnológica — a economia de tempo — também contribui para o aparecimento da depressão na medida em que permite que tudo aconteça com maior rapidez, ao contrário do que se verifica nas relações interpessoais, valores e cultura, em que as mudanças ocorrem de uma forma muito mais lenta. Não podemos aprender a ser bons juízes de carácter num instante nem querer estabelecer uma relação amorosa perfeita de um dia para o outro. Este novo conceito aplica-se bem à tecnologia, trazendo-nos inúmeras vantagens, mas faz-nos esquecer de que é necessário muito tempo para vencer etapas e atingir objetivos no domínio das relações humanas. Talvez o exemplo mais próximo de muitos de nós se prenda com o facto de, ao partilharmos a intimidade tendo sexo com alguém, acharmos que imediatamente construímos uma relação, quando na realidade ainda nem conhecemos a pessoa.

O que é? A depressão é caracterizada pelos profissionais de saúde mental como uma perturbação do humor mas também como um sintoma que pode variar muitíssimo de indivíduo para indivíduo. É seguramente uma situação complexa que irá afetar inúmeras facetas da vida de uma pessoa. Pode afetar-nos fisicamente, originando sintomas como a insónia, a fadiga, perturbações do apetite, diminuição do desejo sexual, ansiedade ou afetar-nos psiquicamente, interferindo com a capacidade de pensarmos com clareza, estarmos atentos e recordarmos, levando-nos a tomar decisões inadequadas. Também pode afetar-nos emocionalmente, causando-nos sentimentos de tristeza, desespero, culpa, inutilidade e apatia e desregular-nos comportamentalmente, conduzindo-nos ao abuso de álcool ou outras drogas, tentativas de suicídio, e outros comportamentos antissociais e auto-destrutivos. Pode ainda afetar as relações interpessoais, sociais e familiares, conduzindo à agressão, retraimento e perturbações no relacionamento do casal e familiar.

Existem essencialmente três formas de depressão: a unipolar em que apenas um dos extremos do continuum do humor se encontra afetado, no sentido da depressão, a doença bipolar, antigamente conhecida como maníaco-depressiva, que leva o indivíduo a oscilar periodicamente entre o polo da depressão e da mania e a distimia, geralmente mais ligeira que nos casos anteriores, mas mais crónica.

Estar em sofrimento. Os comportamentos e humor das pessoas deprimidas afetam toda a família: a irritabilidade que despoleta conflitos e altera a dinâmica familiar, os padrões de pensamento pessimista que contaminam todos, a não participação nas tarefas e ações mais banais da família, que gera toda uma panóplia de sentimentos de rejeição.

Contudo, as famílias são os melhores cuidadores para estas pessoas, podendo influenciar decisivamente a cura ou o aparecimento de recaídas. Os familiares destas pessoas são elementos cruciais para um diagnóstico precoce desta afeção. Muitas vezes o próprio não reconhece determinados sinais como sintomas depressivos atribuindo- os a outras razões relacionados com a idade, o dia-a-dia ou características de personalidade. Por outro lado o meio familiar contribui de forma importante para a atmosfera emocional em que crescemos, e como tal pode tornar-se, ou não, num fator de recuperação.

Tratamentos. Muitas vezes é prescrita medicação e a adesão à mesma, bem como a eficácia na sua toma, pode depender do apoio que o indivíduo deprimido sentir no seu ambiente familiar. Se os parentes não compreenderem ou aceitarem a necessidade do tratamento, quer ele seja medicamentoso ou psicoterapêutico, os resultados podem ser prejudicados reforçando a dificuldade que o paciente tem em cumprir tarefas ou sentir motivação externa no sentido da sua cura.

Por sua vez, a participação da família nas sessões de psicoterapia pode ser muito importante, nomeadamente quando existam crianças pequenas ou adolescentes envolvidos, na medida em que os elementos da família não estão imunes ao negativismo, fragilidade e falta de esperança que caracterizam o meio familiar em que existe uma pessoa com depressão.

Assim, e de uma forma preventiva, deve ser dado espaço para que estes elementos possam encontrar respostas sobre a forma como lidar como elemento deprimido e dar largas aos sentimentos, como a raiva a culpa ou mesmo o desejo de “mudar de família”. É também uma oportunidade para que os familiares, com o apoio do psicólogo, possam criar alguma rotatividade nos cuidados à pessoa com depressão, nomeadamente nas fases mais agudas. É frequente os cônjuges sentirem-se alienados da relação e as crianças sentirem-se culpadas, ressentidas e com comportamentos estranhos, por exemplo na escola.

Recursos individuais. A medicação e a psicoterapia são indubitavelmente necessárias como formas de tratamento e os medicamentos atualmente disponíveis têm um número significativamente menor de efeitos secundários do que aqueles que eram prescritos há quatro ou cinco décadas atrás. Também tem sido alargado o leque de terapias breves eficazes no tratamento da depressão: da psicoterapia cognitiva comportamental à terapia familiar, passando pelo uso de técnicas específicas como a hipnose ou o EMDR (Eye Movement Dessensitation Reprogramation), as possibilidades destas pessoas se sentirem rapidamente capazes de reingressarem na vida ativa com prazer e motivação são cada vez maiores.

Contudo, existem uma variedade de recursos que devemos possuir e aprender a por em prática como forma de evitar a depressão, dos quais talvez o mais importante seja o de reconhecer e tolerar a ambiguidade. Nada ou quase nada é branco ou preto na nossa vida. A capacidade de lidar com a incerteza e de abraçar um grande número de possibilidades evitando a procura da solução única que, porque funcionou no passado tem de funcionar agora, pode proteger-nos de reações de impotência e desespero.

O pensamento crítico perante o que nos rodeia é crucial para vencer a depressão. A capacidade de julgarmos criticamente as nossas ações aceitando a responsabilidade das mesmas na medida certa, colocando em nós e não no exterior a capacidade e motivação para a mudança, permite-nos sermos “senhores de nós”, ultrapassando sentimentos de incapacidade ou inutilidade.

Por fim, embora muitos outros recursos fiquem por nomear, a capacidade de estabelecer objetivos parcelares — face ao grande objetivo — e de reconhecermos as características inerentes aos mesmos é uma ajuda preciosa para que cada vez mais nos sintamos capazes. Em última análise, cultivar o relacionamento saudável com os outros, começando pela nossa família, tornando possível expressarmo-nos livremente, sem rancor mas com vontade de nos darmos a conhecer, procurando entender os outros, é seguramente uma forma de prevenir depressões.

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Sou Tímido

A timidez é uma forma ligeira de fobia social e traduz-se na dificuldade de adaptação a novas situações sociais.

Corar, gaguejar ou sentir que faltam recursos para lidar com determinadas situações são sintomas comuns da timidez. Parece que o corpo trai a mente e mostra a todos o que implicou tanto esforço a esconder, ou seja, a incapacidade em lidar com terceiros.

O que é? Uma pessoa tímida tem dificuldade em afirmar as suas necessidades, deixa-se ultrapassar na fila do supermercado sem reclamar, não consegue tomar a palavra em reuniões e costuma isolar- se a um canto em eventos sociais. A timidez é uma forma ligeira de fobia social, uma perturbação bastante mais grave que pode ser paralisante na vida de uma pessoa e deve ser tratada antes de conduzir ao isolamento e à depressão.

Um tímido é uma pessoa que demora mais tempo do que as outras a adaptar-se a novas situações sociais, que desencadeiam nele uma ansiedade forte e menos controlável do que na maioria das pessoas.

Tem geralmente uma imagem negativa de si mesmo e apresenta autoestima fraca. Não crê nas suas capacidades, o que resulta na falta de autoconfiança. Os mais tímidos passam a vida a adiar o cumprimento dos seus sonhos e a arrependerem-se amargamente dessa demora. Incapazes de dar o primeiro passo, não conseguem chegar aos outros, ficando sempre à espera que alguém dê o primeiro passo na sua direção.

Infância fragilizada. Uma leitura possível da timidez reporta- nos à intolerância perante a incapacidade de ser bem sucedido. É comum os tímidos não tomarem iniciativas com receio de estragarem tudo. Têm em si urna ansiedade antecipatória negativa, o que apenas lhes permite antever cenários extremamente derrotistas. Para eles, a critica é sinónimo de rejeição. E se as suas ideias são reprovadas, tal é sentido como humilhação. Estes sentimentos só vêm reforçar ainda mais a certeza de que não dar nas vistas é a melhor e mais saudável atitude. Outra explicação para este fenómeno remete para a infância. Por exemplo, uma criança que cresceu num ambiente familiar demasiado protegido, onde se sentiu sufocada ou excluída num ambiente demasiado adulto, ou ainda urna criança com falta de afecto ou compreensão que sofreu conflitos familiares, é uma boa candidata a comportar-se de forma tímida. Também o falhanço escolar e as frequentes mudanças de escola são fatores que não ajudam.

Falta de segurança. Geralmente, a timidez traduz-se por uma atitude receosa, urna perturbação excessiva e uma falta de segurança no comportamento perante terceiros. Mas pode também esconder-se por trás de um comportamento agressivo, que denota, muito simplesmente, ausência de autoconfiança.

As manifestações são simultaneamente fisiológicas e psicológicas. Entre as primeiras, contam-se transpirar excessivamente, sentir falta de ar, rubor ou palidez acentuados, gaguejar e alterações da voz (que se torna praticamente inaudível ou ininteligível), rigidez muscular e tremores. No plano psicológico destacam-se o sentimento de paralisia (que torna impossível a mais pequena reação) e atenção demasiado centrada no objecto do medo (neste caso, as outras pessoas).

Mas a timidez pode e deve ser encarada como uma perceção mental distorcida que só faz sentido em função da presença do outro. Ninguém é tímido sozinho! Daí que outra característica dos tímidos passe por pensarem que estão a ser constantemente observados ou julgados de forma negativa, desenvolvendo, assim, uma sensibilidade especial para qualquer tipo de crítica ou comentário sobre a sua aparência e conduta.

Acabar com a timidez. Ninguém é tímido na sua casa, consigo mesmo, no seu próprio meio, com a sua família mais próxima. A timidez desenvolve-se quando essa mesma pessoa ultrapassa os limites da sua intimidade e se envolve em situações desconhecidas e novas relações sociais. A insegurança e o mal-estar que assaltam o tímido manifestam-se unicamente quando se vê rodeado de estranhos. Para ele é muito difícil deixar de pensar em si mesmo. Leva-se “demasiado a sério”, pelo que se torna muito difícil concentrar-se em qualquer outra atividade. Não tira proveito de um jantar ou de uma festa, por exemplo, pois está constantemente preocupado com o que os outros estão a pensar dele. Também tem sérias dificuldades na esfera profissional, uma vez que se encontra mais preocupado em não destoar do que a brilhar.

No comportamento generalizado que todos temos de procura de aprovação — caracterizado pelas tentativas de causar boa impressão nos outros —, os tímidos não se sentem merecedores dessa aprovação e os seus esforços vão apenas no sentido de diminuir a desaprovação. A pressão social repercute-se especialmente sobre os tímidos que têm um baixo conceito de si mesmos e que consideram de forma muito modesta as suas capacidades.

Existe tratamento? A terapia cognitivo-comportamental é o tratamento preferencial para estas situações. Podem ser utilizados psicofármacos associados, especialmente quando a ansiedade ou os sintomas fisiológicos são muito intensos ou existem outras patologias associadas. Esta forma de terapia ajuda a despistar complexos, frustrações e cognições distorcidas da realidade. Adaptada a todas as idades, parece ser muito eficaz, pois permite afrontar progressivamente as situações ameaçadoras. A tónica é posta nas causas atuais do comportamento problemático e menos nas causas inconscientes.

Utilizam-se, para isso, técnicas de controlo da ansiedade, como relaxamento e controlo da respiração, treino de competências sociais, técnicas para corrigir pensamentos disfuncionais, outras inseridas num processo psicoterapêutico, geralmente de curta duração.

A prática de uma atividade desportiva é um meio de integração num grupo, onde se promovem trocas e companheirismos, que ajuda a lutar contra o isolamento em qualquer idade.

Virtudes e defeitos. A timidez não é necessariamente um inibi- dor da expressão de personalidade. Numerosos comediantes, cantores, personalidades públicas provam-no aparecendo em cena para melhor ultrapassar urna timidez que os angustia. Exprimir-se sem receios é aceitar o risco de sermos postos em questão, de enfrentarmos a desaprovação e de nos mostramos tal qual somos, com virtudes e defeitos. Mas é também partilhar e enriquecermo-nos no contacto com o outro: sermos reconhecidos como uma personalidade, como um todo que vale a pena conhecer.

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Ciúme

Todos nós conhecemos ou vivemos histórias de ciúme pois não dizem respeito apenas às relações amorosas. O ciúme pode estar presente em qualquer tipo de relacionamento e a minha experiência como terapeuta prova isso mesmo.
Pedro, um exemplo comum, tem atualmente 33 anos e assume que lidou com o ciúme em quase todos os relacionamentos que teve. Para ele, o ciúme e uma experiência que remonta aos seus primeiros anos de escolaridade. Não só se mostra ciumento com a sua companheira atual, como com os seus amigos e colegas de trabalho. Faz o melhor que pode para esconder esta sua faceta, mas quando o ciúme ataca dá-se conta de que faz comentários e tem atitudes que invariavelmente vem a lamentar depois. Por vezes opta por se retirar e torna-se distante, como forma de tentar manter estes sentimentos extremamente dolorosos para si mesmo. O Pedro, quando me procura, sente-se profundamente frustrado, sem saber como proceder.

Ana e Vasco, outros exemplos, estão casados depois de cada um ter passado por divórcios relativamente calmos, que lhes permitiram a manutenção de um bom relacionamento com os ex-cônjuges. Vasco não teve filhos, mas Ana tem dois rapazes do casamento anterior. As queixas do casal relacionam-se com a incapacidade de Ana para lidar com o que considera serem os ciúmes do Vasco em relação aos dois miúdos. Nada tem a ver com o pai das crianças, mas com o tempo que a Ana dedica aos filhos. Ana começa a ver como única saída um novo divórcio e por isso consegue que Vasco valorize a questão e venham juntos à consulta.
Muitas vezes a procura de ajuda só acontece quando o parceiro se cansa da falta de confiança, dos infindáveis interrogatórios, dos gritos, das constantes acusações injustificadas e, por vezes, de uma intensa violência, psicológica ou mesmo física.
A iminência ou a concretização da perda faz muitas vezes com que o ciumento descubra da forma mais dolorosa que afinal nunca controlou nada, não evitou a perda, nem se mostrou insubstituível.

Onde começa o ciúme? Enquanto crianças todos começamos por acreditar que somos o centro do universo e que a nossa mãe é exclusivamente nossa. Podemos dizer que o primeiro ciúme que sentimos se refere ao momento em que tomamos consciência da existência do nosso pai, que passa a ter existência real e que, de alguma forma, nos “rouba” a nossa mãe.
Um outro momento importante que nos pode levar a sentir ciúmes tem a ver com o nascimento de um irmão mais novo. O amor e o colo, o carinho e atenção que até aí eram só nossos passam para este irmão mais novo e, muitas vezes, de uma forma muito intensa. Enquanto crescemos, quanto mais nos sentirmos seguros do amor dos nossos pais ou das figuras que os substituem e são igualmente importantes, mais nos sentimos imunes ao medo de uma futura perda, ainda que nem mesmo os pais mais atentos e dedicados nos possam proteger. Ou seja, é necessário ao nosso crescimento sabermos lidar com o sentimento de perda, não permitindo que a ausência do outro nos faça desaparecer ou sentir desvalorizados enquanto pessoas.
Não levamos muito tempo a perceber que o ciúme é um sentimento negativo mas, tal como as outras emoções que não podemos simplesmente eliminar, aprendemos a introjetar esse sentimento nefasto e a virá-lo contra nós próprios ou a virá-lo contra o objeto dos nossos sentimentos.

No primeiro caso o ciúme pode converter-se em auto-repulsa levando-nos a acreditar que não somos merecedores de amor ou, até, incapazes de obter o que desejamos da vida e, como tal, desistimos de tentar transformando-nos numa espécie de vítimas. Já o ciúme exteriorizado degenera com frequência em raiva. Interiorizamos os sentimentos maus e projetamo-los sobre a pessoa que julgamos ter roubado o nosso amor. E a raiva ciumenta pode destruir uma amizade, dar cabo de um amor e, em casos extremos, matar uma pessoa.

Afinal o que é o ciúme? O ciúme surge como um mecanismo inconsciente que procura controlar e reter o outro só para si. Tudo o que não se encontra dentro da relação simbiótica passa a representar uma ameaça para o parceiro que não suporta a ideia de ser abandonado.

No entanto, o ciúme é a expressão de uma emoção e, como tal, é normal senti-lo.
A habilidade reside em não nos deixarmos dominar por ele, tentando, pelo contrário, dominá-lo, controlando os comportamentos a ele associados para que não cause danos irreversíveis à pessoa e/ou ao relacionamento.
Está ligado a influências culturais, sociais e à história de vida de cada um.

O sentimento maior que motiva o ciúme é a desconfiança. Mas existem outras características de personalidade que estão presentes de forma mais ou menos vincada no ciumento. A necessidade de posse é um dos traços fortes do ciúme. Quem ama é capaz de dar espaço ao outro, de respeitar a sua individualidade não se sentindo ameaçado pela presença de terceiros. O medo de perder o ser amado para outra pessoa também pode ser devastador. Muitas vezes uma baixa auto-estima e falta de aceitação tal como somos, faz com que a pessoa se sinta diminuída e em constante perigo de ser trocada por outra mais interessante.

O egoísmo é uma das marcas mais gritantes de um ciúme doentio. Por oposição ao amor altruísta, estas pessoas são capazes de expressar sentimentos como “prefiro ver a minha mulher morta do que vê-la a viver com outro!”. Na realidade quando o ciúme nos toma nas suas garras, parece que o coração não nos cabe no peito, a respiração torna-se dolorosa enquanto lutamos para trazer um pouco de ar para os pulmões e as nossas emoções parecem oscilar entre uma raiva incontrolada e o pânico total. Este desequilíbrio no sistema nervoso faz aumentar o nível de adrenalina, interfere na dinâmica dos neurotransmissores e faz parecer que tudo desaba dentro do nosso corpo, rompendo-se o equilíbrio do bem-estar.

O ciúme hoje. Um dado interessante é o de que o ciúme parece estar cada vez mais presente nos relacionamentos actuais. No entanto não é uma doença contagiosa que se possa pegar através do contacto com os outros.
O estatuto do homem e da mulher tem vindo a alterar-se de forma muito intensa nas últimas décadas. Existem, especialmente para as mulheres, oportunidades de sucesso e realização profissional baseadas no seu próprio mérito. Ou seja, quer para a mulher como para o homem aumentaram as possibilidades de escolha. Hoje em dia as mulheres podem escolher ter uma relação, que condições esta deve ter para durar, se têm ou não filhos ou se investirem mais na carreira.

Mas se, por um lado, estas conquistas trouxeram mais-valias na relação homem/mulher, por outro também potenciaram a insegurança e o medo de perder o outro.
Atualmente são as pessoas que afirmam não conseguir lidar com a perda que mais facilmente se mostram ciumentas. Por oposição, aqueles que aceitam que existe sempre a possibilidade de perdermos aquilo que consideramos precioso e que sabem que tudo é efémero, que tendem a tirar melhor partido daquilo que vivem no presente: valorizam a relação, minoram as dificuldades, trabalham em equipa e aprendem com os outros.

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Lidar com a Doença Crónica

O diagnóstico de uma doença crónica obriga sempre a mudanças inevitáveis no estilo de vida do doente, de maneira a garantir não só a sobrevivência mas também a qualidade de vida. Independentemente da doença diagnosticada, este é sempre um momento de crise. Um desafio importante para o doente crónico é aderir a um tratamento que irá manter por toda a vida, o que para muitos vem reafirmar a sua condição de pessoa doente.

A família. A experiência do diagnóstico acaba inevitavelmente por ser partilhada pela família, pelos amigos e por todas as pessoas próximas do doente. Existe aqui uma dupla componente muito importante, pois os comportamentos adotados pelo paciente face à doença e as relações que estabelece a partir daí dependem da capacidade de adaptação da família às mudanças decorrentes do diagnóstico.

A doença tem estádios de evolução que influenciam as diferentes formas de lidar com ela: a fase aguda, a crónica e a terminal. A fase aguda é aquela que tem mais poder para mobilizar toda a família. Nestes momentos não é difícil encontrar diversos membros da família disponíveis como cuidadores. Já quando se estabelece a fase crónica, geralmente apenas um é designado para o efeito e é geralmente ele que acompanha o doente até à fase terminal.

As crises resultantes da convivência com uma doença crónica resultam muitas vezes da dificuldade que a família tem em adaptar-se ás mudanças naturais do ciclo de vida. Imaginemos uma situação em que um jovem adulto pronto a deixar a casa dos pais é inesperadamente diagnosticado com uma doença crónica. O momento do ciclo de vida desta família diz-lhe que está pronta para deixar o seu filho sair de casa e viver os dilemas do “ninho vazio”. Por sua vez, para este rapaz o momento ansiado de iniciar uma nova família fica comprometido.

Naturalmente, os pais procurarão cuidar do filho doente tal como cuidariam se ele fosse pequeno. O filho que se “treinou” para construir uma relação em que o controlo dos pais fosse cada vez menor pode ressentir-se desta atenção e cuidados, rebelando-se e adotando comportamentos que podem comprometer a sua saúde, tais como não fazer a medicação de forma adequada.

As famílias são, contudo, o recurso mais valioso para o entendimento e cuidado da doença crónica. Os médicos não tratam a doença, apenas recomendam tratamentos que devem depois ser seguidos pelo paciente e a sua família, de forma a mantê-lo equilibrado e com qualidade de vida. Os elementos da família e os profissionais de saúde precisam de estar atentos aos sintomas, à medicação e aos tratamentos em ambulatório e ainda providenciar suporte emocional. Acontece com frequência que estas tarefas recaem apenas sobre um membro da família, geralmente aquele que está mais próximo da doente.

O casal e a doença. Provavelmente acontecerá a todos os casais um dos cônjuges adoecer de forma crónica. O primeiro desafio que se coloca, para além do da doença, é lidar com os sentimentos que esta desperta. A cólera, a negação, a culpa, o medo, o desgosto e a preocupação com os filhos irão sobressair num momento em que, mais do que nunca, a atenção ao outro é necessária.

Quando os cuidadores são o marido ou a mulher, muitas vezes acontecem mudanças importantes na relação de casal. Por exemplo, as responsabilidades que antes pertenciam ao cônjuge doente passam a ser assumidas pelo cuidador. Tal pode envolver aprender novas competências num momento em que existe menos energia e disponibilidade mental. Muitas vezes sentimos que a inversão de papéis é frustrante e causadora de tensões numa relação já de si difícil. Existe também a perda de atividades que foram fonte de prazer, o que pode conduzir ao isolamento dos amigos ou a uma culpa muito intensa quando, ao satisfazer as necessidades de convívio, o cuidador sente que está a “trair” o doente.

Se a comunicação entre o casal se perde durante a doença, o relacionamento também se irá perder. A intimidade altera-se, o tema doença invade toda a vida do casal, mesmo enquanto pais, e ao deixar controlar-se por ela o casal corre o risco de estagnar o desenvolvimento da relação.

Outro problema que o casal enfrenta é a gestão das emoções e sentimentos decorrentes de necessidades emocionais não satisfeitas. A promoção do diálogo franco e aberto, sem mal entendidos e preconceitos, poderá ajudar a manter uma relação saudável.

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Como a família de origem está presente no nosso casamento

Quando casamos e temos filhos, os nossos pais continuam a influenciar-nos. Os pais influenciam os filhos e mães as filhas. Quer tenhamos consciência disso ou não o exemplo que provém dos nossos pais influencia-nos profundamente na forma como tratamos os nossos companheiros e educamos os nossos filhos.

São muitos os exemplos que cada um de nós poderia evocar mas recordo aqui o de Jorge. No final de um dia de trabalho, este cliente gostava de chegar a casa sentar-se no sofá, ler o seu jornal, ver a televisão. Contudo o jantar precisava de ser preparado, os filhos precisavam da ajuda do fim de dia, a casa precisava de um jeito. Teresa, a mulher também trabalha fora e queixava-se que a sua profissão é tão cansativa quanto a do Jorge.

As queixas da Teresa prendiam-se com o desejo de ver o Jorge participar na vida familiar.

O Jorge é uma pessoa com um sentido de justiça ajustado que considera este pedido da Teresa perfeitamente razoável. Contudo, uma outra parte  dele como que lhe recordava constantemente que este não era o papel do homem.

Para o Jorge, cuidar da casa é trabalho de mulher. Muitas vezes era assaltado pela ideia “Mas quem ela pensa que é para mandar em mim?” Para este cliente assentir nos pedidos da mulher era humilhar-se e sentir-se menos homem. Contudo, e porque gostava profundamente da mulher, percebia-se num intenso conflito.

Se por um lado fazia o que lhe era pedido, também o fazia de má vontade o que criava uma atmosfera muito desagradável em casa, um dia após o outro.

Mas realmente onde estava o conflito? De uma forma imediata, o conflito parece estar no casal. Contudo se olharmos com mais atenção o conflito real situa-se entre o Jorge e o seu pai, mais propriamente a personalidade do Jorge e os valores adquiridos do seu pai relativamente ao papel do homem num casal.

O Sr. Manuel, pai do Jorge, foi descrito como autoritário, um “homem á antiga”, para quem “as mulheres são para estar na cozinha”, que o filho aprendeu a temer, mais do que a respeitar. Para o Sr. Manuel o valor do trabalho do homem e da mulher eram duas coisas completamente distintas. O papel do homem era garantir o ganha-pão da família, coisa que ele soube fazer com muito empenho e dedicação, coisa de que o Jorge falava com muita admiração.

O Jorge é o único rapaz de uma frateria de seis em que os outros filhos são raparigas. Ele é o 5º. Como é fácil de perceber não só foi muito protegido pelas irmãs como foi acolhido pelo pai como o seu “protegido” a quem foi passado um testemunho familiar especial, como dizia o meu cliente “coisas de homens”. Estas não incluíam o cuidar da casa ou dos filhos.

Quando o Jorge concordava com a Teresa e a ajudava com as coisas da casa e dos miúdos, sentia-se culpado, traidor de uma tradição familiar, que estava a ser desleal ao seu pai.

Durante o trabalho terapêutico foi possível compreender de onde vinham estes sentimentos e estas ideias. A certa altura ficou claro que as aprendizagens internalizadas durante o seu crescimento o levaram a este conflito interno, expresso pelo conflito com a Teresa. Na realidade o Jorge rapidamente percebeu que o seu conflito decorria do sentimento de estar a trair os valores do pai, que ele próprio já não conseguia assumir como seus.

Resolver este tipo de situação não é fácil, exige tempo e a capacidade do casal perceber as heranças trangeracionais.  Contudo, para a Teresa e para o Jorge, foi muito importante compreender a raiz do conflito.

Este é apenas um exemplo dos muitos que podia trazer aqui para ilustrar a profunda influencia que os nossos pais têm nas nossas atitudes tanto como cônjuges como pais. O casamento dos nossos pais influencia o nosso. A forma como fomos educados influencia a forma como educaremos os nossos filhos.

Nem sempre se trata de um legado positivo, e enquanto não tivermos consciência da sua existência manter-se-á fora do nosso controlo. Enquanto não o compreendermos, estamos condenados a repetir cegamente o comportamento dos nossos pais a rejeitá-lo totalmente. Contudo, podemos deliberadamente considerar os diversos aspectos e dimensões dos papeis de esposa/o e mãe/pai que vimos desempenhar, seleccionando conscientemente aqueles que a nós melhor se adaptem. A compreensão dá-nos alternativas onde antes não existiam.